quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

DA NORMALIDADE À LOUCURA!


Ela era a mais bonita. Era bonita. Magra, alta, traços finos e loira natural. Ou melhor, era, naturalmente, loira. Pintava o cabelo. Como todas aquelas que são naturalmente loiras. Loiras naturais. Nunca conheci nenhuma loira natural que não pintasse o cabelo (as nórdicas não contam!). Ás vezes atrevia-me a perguntar-lhe porque é que as loiras naturais pintam o cabelo de loiro . E ela respondia sempre que o tempo lhe havia escurecido o cabelo e que se tornava difícil olhar para as fotografias de infância e olhar para o espelho, onde o tempo lhe mostrava como o cabelo havia escurecido, tal como a sua vida. E mostrava-me as fotografias do tempo em que ela era loira natural. E eu compreendia porque razão ela pintava o cabelo e, naturalmente, ficava loira outra vez.

Não era só a mais bonita. Era também a mais solitária, a mais revoltada, a que bebia mais e fazia as coisas mais irreais. Uma noite, partiu a janela de um restaurante, só para roubar umas garrafas de vinho. Foi apanhada a conduzir com alcóol, mas continuou sempre a conduzir. Despediram-na do emprego porque metade do ano estava de baixa. Tomava antidepressivos, mas tomava-os com alcóol. Raramente se ria!

Um dia, numa passagem do ano, entre uma confusão de copos e gente, ela pegou-se à estalada com a irmã e eu percebi que a normalidade nem sempre é coisa que se perceba.

Os anos passaram. Ela casou-se, teve uma filha e divorciou-se. Andava constantemente a queixar-se à polícia que era perseguida, que a queriam matar e raptar-lhe a criança. Teve alguns processos crime por arriar em pessoas e partir uns carros. Foi-lhe diagnosticada uma esquisofrenia. Entregou a menina aos pais e passou a viver sózinha, com uma pequena reforma, dado que foi empurrada compulsivamente para esta, por incapacidade para o trabalho. E ela adorou. Foi uma festança! Não tinha de trabalhar e ainda recebia!

Seis anos passaram desde a última vez em que a vi. Já não é loira natural, nem está naturalmente loira. Já não arreia em qualquer pessoa. Agora arreia nos pais e parte tudo lá em casa. Porque quer dinheiro. Diz que não quer saber da filha, o que quer é comprar cocaína e a reforma não chega.

A mãe, outrora também loira e bonita - isso no tempo das fotografias - hoje olhou-me, rosto envelhecido, cabelos desgrenhados, de uma cor que não sei definir, os olhos carregados de desgosto e lágrimas e disse-me: "Lembras-te quando tu estavas grávida e te sentavas á minha mesa a comer os meus petiscos e eu te dava aqueles conselhos tolos de mãe? A minha menina era tão bonita e tão normal, não era?"

Sim, lembro-me muito bem! Era. De facto, era invejávelmente bonita e bastante normal! Hoje é, inexplicávelmente, um trapo!