domingo, 29 de novembro de 2009

SEJA LÁ O QUE FOR, NÃO É


Ela olhou-o intensamente. Esticou o braço na diagonal, meteu os dedos entre os cabelos dele, puxou-o suavemente pela nuca, e foi de encontro aos seus lábios. Beijou-o como se a vida se esgotasse ali. Sentiu vontade de lhe dizer: amo-te. Uma vontade tão grande que a palavra ressoou como um tambor dentro de si. Mas não disse nada. Os lábios dele escorregaram-lhe, humedecidos e quentes, pescoço abaixo, ombro, braço e peito. Dentro dela, um imenso prazer e a palavra disparada a fazer ricochete nas paredes fechadas do seu cérebro. Puxou-lhe o rosto e aproximou-o do seu. Fixou-lhe os olhos e abriu os lábios. Mas não disse nada, rigorosamente nada! Soltou-o e virou a cara para o outro lado.
Não era amor e ela bem o sabia. Era oportunidade contínua e repetitiva. Não era amor e ela sabia-o porque jurara a si própria que nem sequer se apaixonaria. E quando ele lhe perguntou o que tinha sido aquilo, ela respondeu: "NADA". Não fora nada. Não é nada, que ela bem o sabe. É mais indolor assim.

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The Leavers Dance - The Veils

sábado, 28 de novembro de 2009

QUIÇÁ



Ela levantou-se tarde. Fez alongamentos na expectativa de alongar o dia. Andou a correr de um lado para o outro, os minutos e horas a correrem à sua frente a uma velocidade frenética, na esperança de lhe acompanharem o ritmo. Tanta coisa para fazer e um dia apenas, doze horas, sim, que o resto já se havia consumido entre o sono e o intervalo de o tanta coisa para fazer! Subiu e desceu, apressadamente, pelo dia afora, como quem conduz por uma estrada deserta para chegar a uma cidade habitada. E tanta coisa inútil, tanto minuto desperdiçado, tanta inanimidade no movimento dos gestos! Chegou ao fim da tarde cansada e cheia de sono. Já tinha feito uma variedade de coisas. E não havia feito nada que fosse alguma coisa! Escurecera sem dar por isso. Não há paixão tão profunda como uma noita profundamente escura. Mas nem sequer era noite ainda. Tomou um banho quente.


O dia passou, agora é a hora de reinventar o tempo, refazer o corpo cansado num corpo jovem e perfumado. Estiraça-se no sofá de copo virtuoso na mão, a música a tocar, à espera da chegada do amante. Enquanto isso, deixa-se embalar por um desejo vertiginoso, à beira da indecência. O sangue a ferver-lhe no vinho, um grau mais elevado a cada minuto que passa. O coração já não ferve, mas o corpo atinge temperaturas elevadas. É mais indolor assim. Facilita a comédia, onde já não cabe o drama.


O amante é um rapaz bonito como um poema. Tem um corpo com todas as características de um postal de aniversário com os dizeres: "um momento feliz e que se repita muitos e longos anos". É saudavelmente divertido. Não apresenta sinais de fome e tem um discurso calmo de quem sabe aguardar pela refeição. Não há sentimentalismos e ambos se conhecem como se sempre tivessem vivido nus. Não há indecisões quando os corpos se encontram. É como um regressar ao sítio onde se nasceu - não é uma obrigação, mas uma necessidade quase transcendental. A noite balança agora, inteira, na extremidade dos seus corpos. Não há paixão mais profunda que uma noite profundamente ondulante. Ou talvez...

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Canção do Mar - Dulce Pontes

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ENQUANTO SONHO


De noite, enquanto sonho, o meu pai vem visitar-me. Conversa comigo, ri comigo, partilhamos coisas e momentos. É assim todas as noites.
Quando a minha mãe faleceu aconteceu o mesmo. Durante mais de um ano, ela vinha todas noites conversar comigo. Infiltrava-se nos meus sonhos. Ás vezes dava-me a mão e afagava-me o sono. E quando eu acordava, ainda sentia o calor na minha mão. Aquilo era estranho para mim, mas habituei-me. Era a maneira que eu encontrava de continuar a (con)viver com ela. Depois começou a vir só de vez em quando.
Agora tudo se repete, mas com o meu pai. Mal adormeço ele chega de mansinho, sem bater à porta, sem fazer barulho e entra dentro dos meus sonhos. Hoje trazia uma camisa branca e estava sempre a sorrir e eu disse-lhe que estava bonito. Há coisas que nunca disse ao meu pai. Creio que ele vem para eu ter oportunidade de lhas dizer (embora ele as saiba)
Acho que as coisas boas nunca as deveriamos calar. Não sei porque vivemos tão fechados! E é tão pesada a caixa onde as guardamos!
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I Talk to the wind - King Crimson

terça-feira, 24 de novembro de 2009

INCOERÊNCIAS


O silencio é a pior das falas.
Tratas-me mal no teu silencio. Dizes-me que sou insuportável, que a minha presença te incomoda, que não te faço falta, que a tua vida é bem melhor sem mim.
O teu silencio diz-me coisas dolororas. E nem sequer me posso defender!
Bem melhor seria que gritasses comigo. Que me mandasses às urtigas, dar um passeio à Muralha da China, uma visita ao Muro das Lamentações ou uma viajem espacial sem regresso.
Cortas-me a fala. Congelas-me as palavras. Tenho a garganta tapada com cubos de gelo que me sufocam. Rezo Avé-Marias e Actos-de-Contricção para ser capaz de suportar o inverno que se avizinha.
És um malvado. Criador de silencios assassinos. A minha voz já morreu abafada pelo teu silencio. Resta-me a palavra escrita e um orgulho à beira da miséria.
Ainda assim, talvez reconheça que é melhor assim. Sei lá! Há um espaço enorme á minha volta! Poucas vezes vi um espaço tão grande, poucas! E às vezes, apetece-me corrrer para cá e para lá, de um lado para o outro, só para ter a noção da imensidão vazia que me cerca. E depois, caio exausta e desato a rir tolamente. Já imagisnaste o que é sentir toda esta liberdade? Nem sei como te explicar o que sinto! Uma explosão de cubos de gelo a saír-me pela garganta. E a sensação de deslizar com patins sob o chão enorme onde caiem, amplo e escorregadio, sem necessidade de quaisquer palavras... apenas um silencio imenso onde posso inventar a música e a dança! Parece-te uma contradição?
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Pale Horses - Moby

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

THE XX - XX / OUTROS...

Ainda os sons calmos e outonais. Muito bons!

The xx - xx (2009)








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Low Rising - The Swell season

Ola Podrida - Belly of The Lion (2009)
The Swell Season - Strict Joy (2009)
Munford & Sons - Sigh No More (2009)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

THE WOMAN IN RED



Hoje decidi pôr a nostalgia de lado, dar um xuto no desalento e comecei a dançar.

Comprei romãs porque decidi começar a comer romãs - de que tanto gosto - apesar dos caroços e da trabalheira que dão.

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Octopus - Syd Barrett and The Soft Machine (descobri esta há dias)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

HÁ DIAS ASSIM


Foto: Entardecer no Seixal



Andei a empatar o tempo, a produzir-me, a enfeitar-me, a bezuntar-me com cremes cheirosos a ajeitar o decote, a disfarçar as olheiras e a empandeirar o cabelo volumoso. Não me apetecia o trabalho. Estava um pouco ressacada de um fim-de semana de noitadas. Cheguei tarde e a más horas. A senhora começou a mostrar-me as nódoas negras na coxa, no braço esquerdo e os arranhões no pulso, provocados pelas unhas e ponta-pés da filha menor que se havia atirado a ela no meio de uma gritaria familiar. As lágrimas vieram-me aos olhos, comovida e triste. O pensamento começou a vadiar pelo meu dia a-dia.
Ao fim da tarde, cheguei a casa e antes que chovesse, agarrei no cão e fomos dar um passeio. Fez-se noite. Quando regressei o meu filho já cá estava e comentou que eu estava muito simpática. De facto, este delicioso animal tem o dom de me pôr bem-disposta. Ainda assim respondi: "Sim, até tu fazeres alguma que estrague tudo." A seguir abri o correio e quando vi a factura do meu telemóvel sentei-me, à beira de um ataque de nervos. Gritei o nome dele que veio com aquela cara, cuja descrição não me ocorre. Não se pense que o rapazinho é um desgraçadito, porque ele tem o dele. Foi uma discussão muito feia! Bastante feia! Ainda não me recompus e o pior é que ele amanhã faz anos... e a única coisa que me apetece é meter-me no carro e desaparecer.
Que se passa com os nossos filhos? Que mundo é este? Onde é que vivemos? Veio-me à memória o "Guardador de Vacas e de sonhos", "A Cidade e as Serras", vá-se lá saber porquê!


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O meu amor existe - Jorge Palma

HÁ TARDES ASSIM!

Foto: Maré vazia ao anoitecer no Seixal


14H40 entro no café. Sento-me descontraidamente. A conversa estava animada. Dou por mim a falar do campo, do frio das serras, das aldeias com casinhas de pedra, do cheiro pestilento do estrume que tanto me incomodava quando era muida, dos burros carregados de lenha e de moscas esvoacentas à volta do focinho. Não, não cresci no campo, mas conheci-o muito bem porque estive sempre muito perto dele. Havia fragas gigantescas que se assemelhavam aos montros que me atormentavam de noite. À noite, nas estradas desertas, as serras e os montes eram grandes paredes escuras com janelas para um céu enorme carregado de estrelas. Sei disso porque me lembro muito bem de andar de mota com o meu pai. Saíamos de manhã, a caminho das festas das aldeias e regressavamos sob a noite escura. Aquela mota devia conhecer bem os caminhos, pois levava-nos, quase sempre aos sss, devido ao excesso de tintol de que o meu pai tanto gostava, por ali fora, até á porta de casa. Eu agarrava-me frenéticamente ao peito do meu pai, mas penso que o que mais me assustava eram as serras e os montes sombrios sob aquele céu imenso. Estava eu no café, a falar de uma casa pequena, no meio de nada, com um alpendre, uma cadeira de baloiço, o cheiro a terra molhada, o horizonte vazio de prédios, cinzento, amarelo, azul, consoante o tempo, as estações. Umas alfaces regadas, talvez uns tomates. Galinhas e outros animais comestíveis não, porque afeiçoar-me-ia e não teria coragem para os matar. Talvez me tornasse vegetariana, praticasse yoga ou meditação. Faria caminhadas, falaria com as plantas. Haveria de ter cães e gatos e faria piqueniques de manta estendida no chão. Eram 17H05 quando, de repente, comecei a sentir um calor estranho, falta de ar, uma fobia qualquer que me fez levantar e quase correr para a porta. Expliquei que tinha de sair dalí imediatamente. Faltava-me o ar e também um cigarro. Na verdade, creio que já não sei estar tanto tempo fechada num café. Perdi o hábito. E todo aquele sonho que estava a transbordar nas palavras fez-me sentir quão fechada é a minha realidade citadina, quão apertado o meu horizonte, quão pequeno o céu sob o qual vivo agora.

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Branches - Midlake

domingo, 15 de novembro de 2009

RECUERDOS

Foto: Seixal
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"O abandono não passa pela ausência, mas sim pela não presença, qualquer que seja o estado de distância..."
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- Xeltox - 11/12/2007

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Bien Avant - Benjamin Biolay (esta é dedicada a ti Xeltox, não entendo muito bem a letra, mas a melodia é ótima e sei o quanto aprecias)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

I KNOW

Foto: Baía do Seixal - "Levo-te comigo"



Quando o coração não sabe o que sentir, bate aleatóriamente, esquerda, direita, esquerda, esquerda, direita, direita, direita, esquerda... e a um ritmo atabalhoadamente monótono. Falta-lhe a cobiça, a cor do pecado, a intriga, a cor do ciúme, o mistério, a cor do desejo... falta-lhe, sobretudo, o ritmo.
Quero apaixonar-me. Decididamente, o meu coração reclama uma paixão. Ele quer desfrutar da hora do encontro, daquele momento em que sai do peito pelos olhos, entra novamente pela boca, aos empurrões de palavras gagas e se engasga na garganta, quando os lábios se prendem noutros lábios e o sufoco lhe redobra o trabalho, a um ritmo onde o bater é um a-ver-se-te-avias.
Quando se perde algo vagarosamente - uma espécie de quimio-terapia que nos leva o cabelo e tudo o mais, mas depois nos devolve uma peruca lindíssima, uma esperança brilhante e momentos de ilusão - é como caír no precipício em queda livre: puro prazer, uma queda deslumbrada, a brisa a bater no corpo e lá em baixo o mundo inteiro, pequeno e banal! Depois o impacto, os pés a baterem no chão e a dor a conjugar-se com a realidade!
É esta sensação de estar tão longe, tão distante, o tempo arrefecido, quase frio, que me faz pensar que é urgente o aquecimento. É urgente tratar do coração. É urgente encontrar o ritmo certo. Pois não sei até quando bate um coração dentro do meu peito.



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Ne me Quitte pas - Jacques Brel



domingo, 8 de novembro de 2009

LANZEIRA

O dia parece-me um retalho. Um quadrado pequeno, cortado de uma peça que tinha um destino qualquer. hoje o dia parece-me um pedaço de algo por acontecer.
Anoitece. Há uma ventania espavorida a arranhar as janelas. Eu que as queria manter abertas para espalhar reticências, penso agora, que o melhor será fechá-las. E ponto final, fez-se noite. De repente!
Não cabem conclusões num dia tão pequeno e nem encontro espaço para a fundamentação. Estou cansada de não fazer nada! Apetece-me um whisky, uma massagem e conversa fiada.
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Psyco Killers - Talking Heads

sábado, 7 de novembro de 2009

ED HARCOURT E OUTROS...

Para aquecer a alma nas noites frias de inverno, de preferência com a lareira acesa e uma boa leitura a acompanhar. Desaconselham-se a quem sofre de nostalgia, melancolia, desalento e outras maleitas do género.

Ed Harcourt - "The Beautiful Lie" (2006)


Peter Doherty - "Grace/Wastelands" (2009)


Volcano Choir - "Unmap" (2009)


Richard Hawley - "Trueloves Gutter" (2009)


Piano Magic - "Ovations" (2009)


Múm - "Sing Along to Songs You Don´t Know" (2009)


Air - "Love 2" (2009)
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Iluminated - Múm






sexta-feira, 6 de novembro de 2009

AVERSÕES


Há gajos que deveriam ser multados a cada vez que dizem merda. Mas como há gajos que seriam multados a cada vez que abrem a boca, o melhor é dizer que há gajos que deveriam estar caladinhos.
É que há gajos que dizem merda com a convicção de estarem a dizer outra coisa. São gajos que não têm a noção de merda ou não têm a merda de noção alguma.
E quando dizem merda estão sempre com um sorriso parvo, com aquele sorriso de estrela que está sempre pronta para a fotografia. Não chego a saber se me incomoda mais a merda que dizem se o seu sorriso de merda.
Sou tão mázinha!
Que Deus me perdoe! E me livre do mal...
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Rooks - Shearwater

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

TERCEIRO DIA


Eu gosto de mimos. Uma dose díária, ainda que pequenina, faz bem à saude física e mental. Eu gosto de ser mimada.



UFA!...
E pronto! Tudo terminou e correu muito bem. Mas, de que andarei eu a falar? Desabafos, meros desabafos.
Gosto do que faço. E aquilo que faço, gosto de o fazer bem. É nesse sentido que trabalho. Normalmente sou ótimista e segura mas, por vezes, acontecem coisas imprevisíveis que põem tudo isso em causa. É então que sou posta à prova. Caio amendrontada ou enfrento a situação por forma a dar-lhe a volta?
Caio amedrontada, claro. Afinal onde anda o super-homem? Alguém o viu? Pois não e eu também não. É por isso que me levanto. Poderia virar as costas, é sempre a solução mais fácil. Mas não gosto de deixar coisas por resolver e só o medo me pode impedir de as resolver. Porém, a maioria das vezes, o medo provém da nossa imaginação, porque imaginamos que se vai passar isto e aquilo, antecipamos o futuro. Mas o futuro nunca é o que imaginamos, pois não? Se fosse, ele dava-me mimos.


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Road to Nowhere - Nouvelle Vague

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A CAMINHO DO SEGUNDO


Anteontem a lua estava assim, quase plena, em pleno dia!


Estou cansada de dizer às pessoas que sofrer por antecipação é completamente inútil. Repito sempre, também para mim mesma, que tudo se resolve. Como de facto assim é. Mas claro, o pensamento comanda, toma as rédeas, assume a forma daquilo que mais tememos e nem sempre o conseguimos controlar. Hoje provei, mais uma vez, que o medo é um esqueleto no armário e que o melhor é abrirmos a porta e fazermos-lhe o funeral.

PRIMEIRO DIA

Foto: Baía do Seixal


Um dia dormimos mal porque sabemos que no dia seguinte o "homem do saco" vai chegar. E acordamos com ansiedade e angustia. Sabemos que chegou a hora de enfrentar os nossos medos. Já não há como fugir. Se fugirmos ele há-de alcançar-nos, se ficarmos ele meter-nos-á no saco escuro. De qualquer maneira, "o medo é como uma floresta fechada, quanto mais profunda, mais escura e aterrorizadora". Este medo de enfrentar o "homem do saco" pode ser mais escuro do que o próprio saco! É necessário fazer o que é necessário fazer, independentemente do que venha a acontecer. Tão simples quanto isto! Não há magia que possa mudar as coisas. E enterrar a acabeça na areia tira-nos o ar de que precisamos para viver. Respiro fundo. Estou pronta.




Todos nós precisamos de:


"Serenidade, para aceitar as coisas que não podemos modificar,
Coragem para modificar aquelas que podemos e a
Sabedoria para distinguir uma das outras”