domingo, 26 de outubro de 2008

SINAL DO TEMPO


O infinito é apenas o sobressalto de uns minutos. Aqueles minutos em que o núcleo do universo és tu e a grandeza do momento. Depois acordas e sabes que nem o céu existe, que é apenas a vista da janela dos teus olhos, onde, jámais os teus dedos tocarão.
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Tenho nos sentidos a lucidez da vida, com toda a simplicidade das manhãs escuras. Já não aquele claro e imenso vazio das coisas por acontecer, ou a trágica angústia do irrecuperável nas coisas acontecidas. Antes a vida como um ressuscitar diário. A vida como um livro que se transporta debaixo do braço para todo o lado. E se vai lendo nos intervalos. E que revela sempre um pouco de novidade e mistério. E se quer ler mais, devagar, com o possível prazer do momento, sem pressa de chegar ao fim da história.
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A vida é indecifrável. Tem de viver-se como se bebe um chá. Lenta e sossegadamente. Ainda que tendendo para a monotonia, a morna e sonolenta quietude... chata, silenciosa e adormecida... isenta dos impulsos e turtuosos desejos, paixões arrasadoras, explosões interiores, arrepios... a vida toda na ponta dos lábios e da língua... e por vezes, a vontade de virar a mesa, puxar a toalha, abrir a janela e soltar uns berros... por a música aos gritos e insultar os vizinhos... fazer gestos obscenos ao condutor da frente e chamar nomes ao detrás... mijar na berma da estrada, desenhar uns cornos na fotografia do ex namorado e bigodes na da sogra...
Perdi-me!... Não, não, não. A vida indecifrável, vivida como quem escreve ou lê um livro de virtudes. Sem anseios no estomago e vontade de trepar paredes.
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Sem fendas. Nada para desvendar. Como um barco no rio a morrer ao pôr-do-sol e a renascer em cada madruga. Ao menos por hoje...
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A eternidade é tão só a doce imaginação de quem teme a morte.
Desenrolo-me, devagar. Hoje não vivo como se Paris fosse aqui ao lado e pudessemos descer o sena de mãos dadas.

Um comentário:

maoqueeaaf disse...

Escrita intensa... Lindo!