sábado, 31 de janeiro de 2009

"NAVEGAR É PRECISO, VIVER NÃO É PRECISO"


Sempre disse aos outros e repeti para mim mesma: "Não olhes para trás". Atrás fica num espaço passado, inferior, e é preciso descer um degrau para o vislumbrar. Caminhar significa subir, elevar-se, degrau acima.
Se já tive pressa - e tantas vezes tropecei nos próprios passos, rebolando escada abaixo e tive de recomeçar a subida, ferida e cansada -, hoje vou devagar. Às vezes páro, sento-me para respirar pausadamente e deixar entrar todas as emoções. Às vezes sento-me, desnorteada, confusa e imprevisível.

Mas nunca ando tão devagar que possa adormecer. Gosto de me sentir inquieta. Gosto de viver histórias, não apenas de as contar. Estou sempre com a sensação inconsciente que o mundo pode acabar. Por isso, mesmo caminhando sem pressa, não sei ser tranquila. Quando quero, quero agora. E quando não quero, nem o diabo me convence. O pior que me pode acontecer é quando não sei o que quero! Ou sabendo, a minha vontade e desejo não obedecem ao meu querer! Vivo uma intensa sensação de luta comigo mesma. Que me obriga a viajar dentro de mim na tentativa, bem inútil, de me entender. Eu até já desisti de me entender. E nem pretendo que os outros me entendam.
Não vivo uma sequência exata. Não procuro certezas. Encontro-me demasiadas vezes com o absurdo. E, por vezes dou a mão e um abraço à estabilidade - porque, também é preciso sossegar. Mas sei que é um encontro. Um encontro que pode durar algum tempo ou ser breve. Porque eu não vivo sómente. Essencialmente eu "navego".

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

HOJE PENSO! E PENSAR DÁ CÁ UMA TRABALHEIRA!!!



Ás vezes penso que não deveriamos receber flores. Penso que cada um de nós deveria ter o seu próprio canteiro.

Houve uma fase da minha vida - uma fase em que a minha vida tinha um empolgante ar primaveril - em que tinha sempre flores em casa. Sempre! Não conseguia ver a casa sem flores!

- Gosto de malmequeres. Gosto muito de malmequeres. Talvez por serem brancos e simples, com pequenos olhos amarelos. Porque encontro serenidade nos malmequeres, nos seus olhos amarelos rodeados de cabelos brancos. -

Acontece que, a minha vida ficou, de repente, com um ar invernoso - e nas questões ambientais desencadeiam-se efeitos secundários - então, comecei a pensar que não deveriamos cortar as flores, que elas deveriam nascer, crescer e morrer na terra.

Foi por essa altura que comecei, também, a pensar sériamente que os pássaros não nasceram para viver em gaiolas. Olhava para os meus pássaros e não podia com os remorsos! Era inconcebivel manter aqueles seres, feitos para voar, num mísero espaço de não sei quantos centímetros quadrados! E foi por isso que dei os meus piriquitos e o meu canário (A lolita, o doce e o popas). Apenas para não encarar diáriamente com o facto de ter anuido à crueldade do cativeiro. Não os soltei porque sabia que não iriam sobreviver. Dei-os para poder lavar as mãos e dizer para mim mesma: eu não, eu não aceito crueldades e injustiças.


Enfim, são modos de reagir a crises emocionais! Cada tolo com a sua mania.
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Hoje, a minha vida, não tem um ar primaveril, nem tão pouco invernoso. Parece ter o ar sintético das minhas flores. E por vezes, sinto que está tão vazia quanto as gaiolas penduradas na varanda.
Mas pior do que isso, é quando ando pela casa e me sinto igual a um pássaro em cativeiro, de porta aberta e sem vontade de voar! Ou acomodada.
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Hoje penso que não deveria receber flores. Sei lá... talvez um abraço bem apertado!



terça-feira, 27 de janeiro de 2009

É URGENTE MUDAR


Há pessoas que são insuportáveis! Lembram-se, muitas vezes, de começar o dia, de preferência bem cedo, logo pela manhã, a embirrar com alguém, por qualquer coisa, pois parece que assim vão mais leves para o trabalho! Há pessoas assim na minha vida e, possívelmente na vida de todos nós. Ou por questões pessoais ou por questões profissionais, elas vão aparecendo. Pessoas que me irritam de uma forma que é como se lhe tivesse criado alergia! Se o telefone toca e reconheço o número, já sei que, se atender me vou chatear e que, se não atender me vou chatear ainda mais, pois vou levar com aquilo mais tarde e ainda com as queixas de que nunca atendo, coisa e tal.
Perturbam-me, por vezes tiraram-me o sono e o apetite, estragam-me dias e até semanas.

Estou cansada de aturar este tipo de pessoas. Não é fácil livrarmo-nos delas, mas também não é impossível.

Tomei a decisão de fazer uma lista que as contemple a todas e de arranjar estratégias para as afastar, de modo a não arranjar conflitos ou problemas, em particular no que diz respeito ao trabalho - felizmente, nas relações pessoais sou bastante selectiva e não tenho com que me preocupar.

Por outro lado, vou estar bem atenta aos sinais a fim de não permitir qualquer envolvimento futuro, pessoal ou profissional, com pessoas destas.
É que há indícios do seu carácter, mais ou menos fortes, que um olhar atento permite detectar. Normalmente é aquele tipo/a que tem conflitos com os vizinhos, que chateia o empregado do café ou do restaurante com picuínhices, que aponta aos outros mais defeitos do que virtudes, que tem a mania que estão sempre a tentar prejudicá-lo, que nunca assume uma culpa, eleva a voz com facilidade, fura os pneus do carro ao gajo que lhe roubou o lugar, tem sempre razão, fala muito mais do que ouve, etc. e, normalmente, nos primeiros contactos são pessoas bastante simpáticas e atenciosas. Porém, à menor contrariedade revelam-se irascíveis, crueis e bastante desagradáveis. - Só preciso de estar atenta.

Estou cansada, farta de aturar pessoas que não me são nada, nada me dizem e me fodem a paciência sem razão alguma.

Por vezes não basta apenas limpar o disco, é também preciso desfragmentar.

PROBLEMAS DE CONSCIÊNCIA?


Sentei-a na minha cadeira, naquela onde habitualmente me sento. Eu sentei-me em frente, na cadeira onde habitualmente se sentam os outros. Por vezes é mais fácil dialogar se trocarmos de posições, se nos retirarmos do papel pré-concebido, se pusermos de lado as formalidades ou até se tentarmos vestir a pele do outro. Claro que tem de haver o factor pessoal, uma certa intimidade, pois é muito mais difícil agir assim com alguém que nos é estranho.

Depois deixei-a falar como se de um desabafo se tratasse, como se abrisse uma porta para poder empurrar para fora tudo o que estava lá dentro desnecessáriamente a encher, a minar. Como quando limpamos o disco, eleminamos o lixo e comprimimos os ficheiros antigos, a fim de libertarmos espaço para coisas novas e um melhor desempenho.

Disse-me, a chorar, que tem a auto-estima de rastos, que caminha de joelhos e sente que não será capaz de se levantar. Que a sua vida está um caos. Não tem vontade de continuar a trabalhar apesar de ter de o fazer. Não consegue realizar as tarefas de casa, nem dar assistência aos filhos e ao marido. Que chora várias vezes por dia e tem de tomar comprimidos para dormir.

Tudo começou quando a acusaram de negligência e incompetência. E, analisando, concluiu que, de facto, talvez tivessem razão. Foi aí que começou a sua guerra com a consciência. A interiorização do eu fracassado, do eu incapaz, do eu burro. Quando se põe em causa o seu próprio eu. Quando o eu se observa de fora para dentro e não se reconhece, porque não consegue ver mais do que um eu mínimo, pequenino: o que sobra é um único eu completamente humilhado! Cai-se assim, numa depressão!

"O que me dói, o que não posso aceitar, é verificar que me acusam, mas com razão. Humilha-me, pesa-me a consciência e custa-me a viver com isso." - É aqui que percebo que ela parte de uma premissa errada! Se a acusam, mas com razão, só tem é que aceitar e tentar remediar a situação. Claro que é dificíl e por vezes se torna quase insuportável reconhecer os nossos próprios erros, mas é assim que, também, se aprende a fazer melhor.

- Tens razão, mas o problema é a minha consciência que me pesa demasiado - Disse-me.
- Supõe tu que te acusavam, sem razão alguma. Ficarias melhor? - Perguntei-lhe.
- Claro, tinha a minha consciência tranquila. - Respondeu-me.
- E se, apenas tu e só tu conhecessem a tranquilidade da tua consciência? Todo o mundo à tua volta, todos os outros te têm como culpada, ainda assim te sentirias melhor do que agora?- Voltei a perguntar.

Aqui ela hesitou antes de responder.

A questão é esta: Sofre mais aquele que é justamente acusado, tem consciência disso, mas custa-lhe a aceitar que errou e que vai ter de pagar por isso ou aquele que é injustamente acusado, sabe que não errou mas ninguém mais o sabe e vai ter de pagar por algo que não fez, como se efectivamente o tivesse feito? A consciência tranquila pode minorar o seu sofrimento até que ponto?

Dou o exemplo de dois individos, cada um acusado de ter cometido um crime. Um é culpado o outro é inocente, mas ambos são julgados e condenados. Qual deles sofrerá mais: o que tem a consciência pesada ou o que tem a consciência tranquila?

A nossa consciência é muito importante, ela chega a comandar-nos e a manipular-nos. É bastante importante, também, que a usemos com rédea e positivamente.
Se erramos desta vez, da próxima já não (aí sim, seriamos incompetentes) - é isto que a nossa consciência tem de nos dizer.

- ... por isso, vamos lá a levantar o cú da minha cadeira e toca a trabalhar para melhorar e recompor o que ainda é possível recompor...



UM ABRAÇO À MINHA AMIGA


RIR É O MELHOR REMÉDIO


Há dois anos e tal atrás, quando me encontrei sózinha, triste, inadaptada, frustrada, desamparada, mal amada, etc, etc. etc, sem saber o que fazer com o espaço e o tempo, inscrevi-me num site de encontros denominado chat amizade. Mas esqueci-me de anotar a password e depressa percebi que não ia conseguir lá entrar. De facto, assim foi. só lá entrava quando algum cavalheiro me deixava uma mensagem e eu recebia um e-mail para clicar em "ver mensagem".
Como aquilo não funcionava comigo, tentei, por várias vezes, cancelar a inscrição. O certo é que aquilo é um site que não admite cancelamentos. Acho que só cancela as inscrições masculinas e quando deixam de pagar a quota mensal - para as senhoras é grátis, penso eu.
Farta de tentar e de solicitar o cancelamento da inscrição, mas em vão, pedi alteração de registo e então, lá consegui alterar para mulher casada com 67 anos, à procura de aventuras. Pensava eu que, assim, nunca mais me chateariam. Desde então, de vez em quando - muito de vez em quando - lá aparecem uns e-mails de uns velhos jarretas - que até se inscrevem em sites de encontros (!) - a sonharem com aventuras numa terceira idade desportista, carregados de juventude no peito e viagra no bolso. E porque não? Tivesse eu 67 anos, sozinha...
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Mas hoje, depois de muito tempo, já esquecida disso, recebo um e-mail com aviso de mensagem. Clico em "ver mensagem", entro no site e deparo com o perfil de um fulano de 35 anos (supostamente pode ser verdade - ou tão verdade como os meus 67), sem filhos,a viver em união de facto e à procura de mulher para relação casual, até 80 anos! A mensagem dizia o seguinte: "Olá, sou jovem, mas adoro mulheres maduras, de preferência casadas, e que procuram aventuras. Se estiver interessada, responda."
Acho que ele adora mulheres maduras mas quase a caír de podres, salvo o devido respeito! De qualquer maneira, por falar em respeito, é preciso notar e tomar em consideração que o jovem mostrou algum respeito pela maturidade, pois não se atreveu a tratar por tu o fruto maduro.
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Já ouvi dizer que há individuos jovens que têm grandes taras por mulheres idosas. Inclusivé conheço alguns casos de violações perpetradas por jovens relativamente a avozinhas, tendo preterido as netas que estavam à mão de semear e até quase que se ofereciam! Não me lembro do nome desta tara, mas que existe, existe!
Há gente pra tudo!
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Reflectindo: a normalidade nem sempre anda pelos caminhos mais comuns!
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Bem sei, bem sei... reconheço que também nem sempre ando pelos caminhos mais comuns.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O MUNDO ESTÁ A MUDAR! EU NEM POR ISSO!


Quando o meu filho tinha oito ou nove anos, apaixonou-se pela Norelma desde o primeiro dia que a viu entrar no autocarro do colégio. Ela foi a primeira e a única negra a frequentar o colégio dele. Era uma novidade! Dia após dia, ele sentava-se silenciosamente ao lado dela. Não tinha coragem para proferir uma palavra - sempre foi tímido com as miúdas.! Mas chegava a casa e dizia-me que ela era linda, maravilhoasa e que, talvez, um dia, se casasse com ela. Estranhamente, esta paixão durou todo o ano lectivo, ou seja, nove meses - numa criança, é de louvar! Mas a Norelma, um dia partiu e não mais voltou! E, embora ele já nem se lembre do nome dela e até diga já nem se lembrar da paixão, eu não a esqueci. E não esqueci porque percebi que o meu filho era uma criança diferente. Não era melhor nem pior, apenas diferente! Diferente no sentido que tinha referências educacionais : referências que não eram racistas, anti racistas, pluralistas, não pluralistas ou outras coisas que tais, simplesmente referências no sentido que: o mundo é um universo de diferenças, com as quais lidamos diária e naturalmente e, se possível, apreciamos com o coração e olhos de artista. Se soubermos olhar as diferênças com o coração e olhos de artista - é impossível não lhe encontrarmos a beleza e não nos apaixonarmos por elas!



Foi assim que eu fui educada. Claro que só o reconheci em adulta, já amadurecida.



Quando eu andava no secundário, tive um namorado da Torre de Moncorvo, que era lindo, lindo! Alterrímo, olhos verdes, cabelos compridos e castanhos claros, magro, moderno, fâ incondicional do David Bowie e fazia uma figurona ao meu lado.
Um dia, na noite do baile de finalistas - eu adorava dançar ( e ainda adoro) - levei-o a jantar lá a casa. O meu pai, como sempre, simpatiquérrimo, fartou-se de contar anedotas e pintar a manta, mas, depois do jantar, antes de eu saír, chamou-me e disse-me: - "É pá, o teu namorado é um miúdo simpático, mas é bonito demais para rapaz! Além disso, usa cabelo à menina, traz aquele turbante ao pescoço... não sei!!!... vê lá se não é larilas! Se calhar, lá no baile, vais ver que há rapazes mais interessantes! " - E depois começou a rir. Foi a maneira de ele me demonstrar a sua opinião, a brincar, sem a impôr e sem me ofender. Era assim que os meus pais funcionavam.



Quando entrei para a faculdade - vida nova, mundo novo - criei uma amizade nuito grande com um rapaz da minha turma, que era homossexual. E me mostrou o mundo visto com os olhos dele.
Divertiamo-nos e filosofavamos. Bebiamos muito nas noites de Coímbra! E dançavamos! Ele dançava tão bem! Lembro-me, uma noite, sentados no balcão de um bar, já muito bebidos, ele disse-me: "Um dia, se nos desencontrar-mos, vou dar contigo, já velhota, toda enrrugada, sentada num balcão de um bar, a ouvir música, encanecada e a filosofares sobre a vida, com alguém que tenha o azar de se sentar ao teu lado! É o teu destino!" - Dizia-me isto com muita frequência!
A última vez que o vi foi há nove anos, quando veio passar um fim de semana a minha casa com o companheiro dele e me recordou da sina que me havia traçado.



Eu, uma rapariga do campo e das letras (habituada a sentar-me à sombra das árvores a ler um livro, a colher flores e a prescrutar ninhos de andorinhas com o meu telescópio) - como lógico seria, num mundo de diferênças - acabei por me juntar e casar com um rapaz das matemáticas, citadino, da capital, surfista e todo direccionado para o litoral. Eu apaixonei-me pelo mar. Ele apaixonou-se pelo campo. Eu fui sózinha para Paris, ele foi sózinho para a Madeira e para os Açores. Eu fiquei na terra dele, ele migrou para uma pequenina terriola alentejana plantada á beira mar e encostada ao campo. E assim permanecemos juntos e separados por vários anos. Atolados em diferênças que nos completavam!



Durante muitos anos, criei gatos. Tinha uma afinidade enorme com os felinos! Tive a Micas, o Urtigão, o Loirinho, a Michy o Twiky, a Nininha e a Marta. Tinha um relacionamento muito intenso com eles . Quando morria um, andava de luto durante muito tempo, era uma perda enorme!
E sempre tive medo de cães! Um dia, tocaram-me à campaínha. Abri a porta e vi uma mão estendida com um novelo de pelo branco com um narizinho preto e uns olhinhos escuros carregados de sono. Era uma coisinha tão linda! Tão!... Foi amor á primeira vista! Ainda dura, apesar de me ter roído as cadeiras, o rodapé, um sapato, chinelos, fios eléctricos, etc.
Descobri as diferênças e já não sei de quais eu gosto mais! Se de gatos, se de cães!



Hoje deu-me para divagar!

Se desse asas ao pensamento e ás mãos, ficaria aqui a teclar até ser dia!

Tudo isto porque ontem se colocou a hipótese de se aceitar o casamento entre casais homosexuais e porque o Barack Obama vai tomar posse. E pensei: o mundo está a mudar! Finalmente se aceitam e reconhecem as diferênças. Valorizar cada coisa sem as correntes do preconceito. Porque é possível apreciar com o coração - e o coração não tem limites. E ver com olhos de artista - para quem tudo é possívelmente belo.
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O gente da minha terra (piano) - Mariza

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

QUANDO NEM FREUD EXPLICA, TENTE A POESIA!

Deixei de ser naba!

Não, não descobri o segredo da vida!

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Just an ilusion - Imagination

domingo, 11 de janeiro de 2009

SERÁ QUE VIVEMOS NUM MUNDO DE APARÊNCIAS?



Nos dois primeiros anos da faculdade, tive uma amiga que se destacava dos demais pelas excelentes notas. Para além disso, tinha um óptimo aspecto, um namorado impecável e uma família exemplar. Era bem apresentada, serena, equilibrada, caseira, sociável, não bebia nem frequentava locais noturnos. Como partilhavamos um apartamento, comecei a aperceber-me que tinha também uma outra vida, procurava sexo com desconhecidos, romances baratos e aventuras estranhas. E esse aspecto secreto passava completamente despercebido a quem a conhecia.

Um certo dia, não me contendo, confrontei-a com a situação, ao que ela reagiu com toda a tranquilidade fazendo um uso incontornável das palavras (mais ou menos estas): "Tu és aquilo que aparentas ser. Tu podes ser o que quiseres, mas sempre serás aquilo que aparentas. E nunca serás muito mais do que isso. Eu sou para os outros aquela que eles conhecem. Não sou mais do que isso e é isso que eu pretendo continuar a ser, entendes?" - Entendi. E calei-me, para sempre.

Mas hoje deu-me para pensar nisto.
Afinal quem somos nós, quem sou eu?
Para os outros não sou mais do que aquilo que eles podem ver. As pessoas com quem me relaciono ocasionalmente por questões sociais ou profissionais, o que é que conhecem de mim? O quanto conhecem de mim? Serei eu uma mera aparência?
E aqueles outros com quem me relaciono mais intimamente, conhecem-me para além daquilo que eles podem ver? Conseguirão ver dentro de mim? Sim. Mas vêem-me com os olhos deles. E nem sempre me verão com clareza. Por outro lado nenhum olhar é igual a outro. Então, eu posso nunca passar de uma mera aparência!
Na verdade, eu sou para os outros aquilo que aparento ser: aquilo que eles vêem mais a soma das caracteristicas que eles me acrescentam ao fazerem um juízo de mim - porque se faz sempre um juízo sobre o outro. E é isso que, na verdade eu sou - para o outro.

Daí que, ela estava certa ao afirmar: "Tu és aquilo que aparentas ser."

Mas eu não sou apenas isso - ou nem serei isso - se me abstraír da mera aparência. "Tu podes ser o que quiseres..." Pois gozo da liberdade de aparência meramente física, a qual está condiconada pela moda, gosto pessoal e outras exigências, mas também gozo da liberdade de construir a minha pópria personalidade, também ela, em certa medida, condicionada por factores familiares, socias e genéticos, entre outros.

Porém... "... sempre serás aquilo que aparentas". Pois para o outros não sou senão aquilo com que me apresento aos outros. E sobre essa aparência, eles farão juízos de valor sobre mim. E porque é esta que eles conhecem, é esta que eu sou: "Eu sou para os outros aquela que eles conhecem. Não sou mais do que isso..."

A questão que me coloco - percebendo que ela estava certa no seu raciocínio - é se nunca serei muito mais do que isso -"E nunca serás muito mais do que isso."

Na verdade, eu sou também aquela que - eventualmente - só eu conheço - e às vezes não muito bem. Eu sou comigo mesma. Os outros nunca me verão como eu me vejo. Então eu sou uma outra que os outros não conhecem ou conhecerão mal. O meu mundo interior é imenso e é esse que realmente me define. Mas define perante quem senão perante mim? Mas eu não sou muito mais esta do que aquela que os outros conhecem? Se é comigo mesma e com os meus pensamentos que eu passo todo o tempo, eu tenho de ser muito mais esta do que a outra.
Sucede que a vida vive-se e desenvolve-se em função dos outros. E para os outros eu nunca serei muito mais do que aquilo que eu sou para eles.
Penso que era aqui que ela queria chegar: que vivendo nós em sociedade e tão demasiadamente em função dos outros, o que conta essêncialmente, é a aparência.


Devemos estar certos que as aparências não só iludem: elas acabam por ser a realidade.

UFA!! Pensar custa!

"NÃO CULTIVO ESPINHOS."


"- Quem me dera voltar ao princípio.
- Porquê?
- Porque não há nada... excepto expectativas!"
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The World Is Not Enough - Garbage

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O AMOR É UMA COMPANHIA

Sou profundamente apaixonada pelo Fernando Pessoa e todos os seus heterónimos.
Depois de ler "O Guardador de Rebanhos" de Alberto Caeiro, nunca mais me pude desprender dele. Pelo "objectivismo absoluto" com que tudo é tratado e a mágnifica simplicidade de ver as coisas e de as descrever.

"O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum."

Mas depois de descobrir "O Pastor Amoroso", mais arrebatada fiquei. Como é que se pode fazer poesia com tamanha simplicidade e graciosidade?!



O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma cousa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a nao vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas,
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.


- Alberto Caeiro em O Pastor Amoroso -


quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O SEXO E A CRISE!


Achei piada a uma notícia que dizia que a industria do sexo está em crise e por isso, os americanos pedem ajuda financeira ao Estado, para a sua reabilitação. A crise deprime as pessoas e as pessoas deprimidas perdem o apetite sexual, dizem.
Mas o que é que se passa com as pessoas? Se estão deprimidas pratiquem mais sexo. É o meu conselho. O sexo é um anti-depressivo natural, milagreiro, e os custos são baixos. Aliás, o sexo é o melhor, o mais eficaz dos anti-depressivos.
Que relax, que bem-estar, depois de uma sessão de sexo!
Ficar de papo ao ar, a olhar o tecto, com um daqueles sorrisos de orelha a orelha...
ou fumar um cigarro e discursar filosóficamente sobre a essência humana e outras coisas que tais, que nos vêm à cabeça num orgasmo psicológico depois de um orgasmo físico...
ou rir, rir de forma idiota, rir só por rir...
e oferecer beijos, carinhos, pelo corpo fora, como se tivessemos ganho um óscar e quisessemos agradecer o troféu antes de guardá-lo... não há crise que resista a isso!
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O meu lema sobre o sexo, é o seguinte:
- Se estamos cansados, ele relaxa-nos;
- Se estamos tristes, ele alegra-nos;
- Se estamos doentes, ele melhora-nos;
- Se estamos zangados, ele reconcilia-nos;
- Se temos dúvidas, ele apaga-as;
- Se estamos felizes, com ele festejamos.
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e por aí fora... e nunca me dei mal com este meu lema! Aliás, considero que tem sido uma das vertentes mais significativas na minha vida para conservar um certo equílibrio emocional.
Se depressão já e bastante ruim, depressão sem sexo, é péssima!
Sem dinheiro é mau, mas sem dinheiro e sem sexo, então sim: é crise!
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Love detective - Arab Strap

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

CRISE?


Quando eu era miuda, o meu herói era o Sandokan. Depois cresci e o meu herói passou a ser o Richard Gere (ainda hoje tenho um fraquinho por ele, mas ninguém sabe disso). Com o passar do tempo o Mel Gibson que passou a estar presente nos meus suspiros. E quem é que nunca teve heróis?
Mas hoje, os meus heróis passaram a ser de ambos os sexos e deixaram de ser ficção.
Uma das minhas heroínas é uma Senhora idosa, minha cliente.
Esta Senhora nada tem de especial. É apenas mais uma daquelas idosas que o Estado e a sociedade nem sabem que existe. Não fosse o caso de um dia ter surgido na minha vida e, nem sequer eu, estaria hoje, aqui, a falar dela.
Trata-se de uma história singela de uma mulher de 64 anos, sózinha, carente e abandonada.

Viveu 14 anos com um velhote abastado mas muito avarento. Tratou-lhe das doenças, da casa, da roupa, da comida e dos filhos. Ao fim de 14 anos ele decidiu casar com ela. No regime de separação de bens dada a idade. Porém, os filhos dele - aqueles que ela ajudou a criar - começaram a pensar que se ele batesse as botas ela iria herdar alguma coisa. E então, com receio de virem a perder algum bem material futuro, fizeram um ultimato ao pai (que não era assim tão velho e creio que até amava a Senhora) para se divorciar, sob pena de não mais falarem com ele e de os perder para sempre (como se perdesse grande coisa!). O certo é que, em menos de um ano de casado, o velho expulsou a Senhora de casa com a roupa do corpo e pediu o divórcio litigioso.

Ela, com 55 e cinco anos, sózinha e apenas com uns tostões que tinha conseguido juntar ao longo de 14 anos, ficou desesperada. Sem ter para onde ir. Alojou-se numa garagem que lhe emprestaram por caridade. não tinha um chuveiro, nem uma banheira, apenas um colchão no chão e um fogão. Ainda assim, não desistiu de viver. Inscreveu-se numa escola e fez a 4ª classe. Aos 59 anos tirou a carta de condução e gastou os últimos tostões que lhe restavam num calhambeque, quase tão velho como ela, mas que a levava, devagarinho, estrada fora, aos sitíos onde os seus sonhos passeavam!

E dizia-me: "Não tenho dinheiro para lhe pagar. Não sei onde arranjar dinheiro para lhe pagar."

E eu respondia-lhe: "Deixe lá isso."

E ela dizia-me: "Mas tenho umas galinhas e uns coelhos e posso trazer-lhe uns ovos muito bons."

E eu respondia-lhe: "Deixe estar, deixe estar as galinhas, os coelhos e os ovos que lhe podem fazer falta."

Não é que umas galinhas e uns coelhitos sejam de deitar fora, nem pensar, mas aquela Senhora pagar-me? Meu Deus, eu é que devia pagar áquela Senhora! Por tudo aquilo que ela me ensinou, tudo aquilo que ela representa! Ela é um exemplo sem preço Uma heroína.
Continua a viver cheia de dificuldades, embora um pouco melhor. Mas também continua a passear no seu calhambeque e a respirar uma vontade de viver e de realizar sonhos, como nunca vi!
De vez em quando ainda me telefona para me dar um beijo, agradecer e dizer que ainda tem galinhas, coelhos e ovos.
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Crise: a palavra mais pronunciada!
Pois bem, quando a ouço, penso nesta Senhora e começo a sorrir. Sempre houve crise. Há crises em qualquer vida e até quando menos se espera. Sempre haverá crises e vidas em crise. Mas também haverá sempre um caminho. Só temos que seguir estrada fora ...
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Slave to love - Roxy Music

sábado, 3 de janeiro de 2009

DEAMBULAÇÕES II


Dizem que o silêncio, perante uma rejeição, é sinal de elegância! Pensando bem: será, certamente. Mas retirarmo-nos em silêncio, não só será um sinal de elegância, como também de inteligência. Acho eu. Na verdade, nem sempre temos o discernimento necessário para meditarmos numa situação de rejeição. Não se apela à elegância ou à inteligência. Agimos conforme a nossa natureza.
Dizem que rio em demasia! Todavia, também dizem que faço um uso exagerado dos silêncios! Depende das situações e das pessoas.

Há em mim um receio exagerado de ser rejeitada e que me encaminha para o silêncio. É por isso que, normalmente, só arrisco onde encontro possibilidade de ganhar (onde o risco me parece pequeno). E, ainda assim, são muitas as vezes que perco.
Mas também há um impulso natural para a loucura. E há pessoas que desenvolvem em mim uma das facetas ou a outra, ou ambas.
Prefiro, sem dúvida, o meu lado divertido, atrevido e sem limites. Porque esse é também aquele em que solto as rédeas ao animal, tiro o açaime, dou-lhe trela e, valha-nos Deus... e é quase sempre este lado que me deixa memórias eternas.
Acontece que o lado silêncioso é, tão só, aquele que me prende por insegurânça ou precaução. Porque às vezes é preciso. E é preciso porque sim. Porque a vida também se faz de mistérios e contrários. E não podemos esperar que o destino nos explique, simplesmente, porque razão em determinada altura da nossa vida, nos sentimos atraídos por polos opostos. Como se quisessemos (inconscientemente), juntar o verão e o inverno. Que coisa maravilhosa essa! Não de todo impossível! Mas, contudo, bastante incerta! Porém, bem sabemos que verão e primavera ou outono e inverno, são meras estações. Quer juntemos umas ou outras, elas sempre hão-de acabar. Também são renováveis, é preciso não esquecê-lo.

Posso parecer uma péssimista. Considero-me uma realista. Já vivi o suficiente para poder dizer que continuo a creditar na vida. Só preciso de saber fazer uma clara distinção entre sonho e realidade. Sem, por isso, deixar de sonhar ou de viver. Reconheço-me capaz de viver. Também de transformar sonhos em realidade. Ou de os apagar simplesmente. Mas o que prefiro, é sem dúvida, de misturar sonhos e realidade. Porque uma só estação não encerra todo o interesse. É necessário misturar calor e frio e encontrar o ponto morno.
Que vida se pode chamar de vida, sem desiquilíbrio? Quem não tem os seus segredos? Sim, aqueles segredos que jámais se ousará contar? Não há vidas que sigam em linha recta. Nem discursos coerentes, que não se percam. Perdi-me! Pura e simplesmente, perdi-me no discurso! E, contudo, acho que sei onde queria chegar. Mas nunca chegarei lá!

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Valentine - Richard Hawley



DEAMBULAÇÕES I


Nunca estarei sózinha.
E jámais alguém me completará.
Porque uma só pessoa não basta para me completar. Nem muitas. Nem todas.
Na verdade, eu não sou incompleta, apenas não encontro tudo, naquilo que sou. Não me basto. E não me bastando estou sempre à procura de qualquer coisa. Todos os dias em transformação e renovação.
Nunca estaremos sós.
E jámais nos completaremos uns aos outros.
Porque todos os dias alimentaremos os nossos medos e as nossas ambições. E os medos e as ambições dos outros. Porque nos falta o tempo e também não temos tempo para dar. Porque esbanjamos um sexto dos nossos dias com mediocridades e um outro sexto com lamentações acerca das mesmas. E só nos resta dois terços. A maioria das vezes para coisa nenhuma.
E, numa imensa capacidade de nos (auto)construirmos e (auto)destruirmos, nunca estaremos sós. Precisamente porque não gostamos de o fazer sózinhos. Precisamos sempre de um pedreiro que nos dê a mão ou as ferramentas necessárias. De alguém a quem atribuir culpas ou a quem agradecer.
Na verdade, nós bem sabemos que não buscamos quem nos complete. Bem sabemos que não precisamos de ser completos. E nem sequer queremos saber que merda é essa!
Na verdade só queremos ser felizes.
E levamos uma vida inteira a tentar perceber porque razão não conseguimos ser felizes sozinhos, nem o conseguimos ser com os outros.
Precisamente porque a felicidade é outra merda que também, não deveriamos querer saber o que é.
A busca, essa procura incessante é algo que nos pode levar à ruina.
Á tempos disse: "...viver-se a vida como quem lê um livro de virtudes..." Bem sei, bem sei... lá vem a porra da monotonia a azucrinar-me os cornos! Mas então? E depois?
Sei que nunca estarei só.
Sempre poderei azucrinar os cornos de alguém... e também dar um abraço e trocar um sorriso.
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`Til We Die - Slipknot

MENSAGEM DE ANO NOVO, OU TALVEZ NÃO


Não tenho sono. Nem cansaço. Nem tristeza alguma. Apenas uma íntima necessidade de escrevinhar sobre coisas.

Amar alguém não significa apenas desejar mas, sobretudo, compreender esse alguém (porém, com a certeza que jámais o compreenderemos). Quero dizer: aceitar, respeitar, com carinho e liberdade.

Hoje sei que assim é. Já o soube em outras ocasiões. Quando entendi que havia transposto, finalmente, uma etapa. E que estava preparada para a etapa seguinte: a do amor sem outro interesse que não seja o amor. Há quem lhe chame amizade, eu continuo a chamar-lhe amor.

Foi assim com todos os meus grandes amores. Nunca acabaram, Ficaram algures dentro de mim, aconchegados, acarinhados, sem nunca envelhecerem: Apenas os despi e vesti com uma outra roupa.
Todos eles me deram parte do que hoje tenho e fizeram de mim o que hoje sou e isso, nada o pode alterar.

O primeiro grande amor que tive, foi tão intenso que durou anos até lhe encontrar o sítio certo no meu interior. Ele ensinou-me a ter confiança em mim mesma, ainda que nunca a tivesse nele. Fez-me acreditar que tinha valor, era bonita, insubstituível e que poderia sempre melhorar. Quando as coisas não corriam bem, ele aparecia-me nos sonhos para me dizer que tudo iria melhorar. Nunca o esqueci, apesar de ter esquecido o sofrimento de o perder. Estive 14 anos sem saber nada dele. Encontrei-o por acaso há dois anos e pude perceber que também ocupo um lugar feliz nas suas memórias.

O meu segundo grande amor, foi tão intenso que teria vendido a alma ao diabo, trocado a minha vida pela dele e todas as lamechices impossíveis de descrever. Foi quase uma eternidade! E quando me parecia não ser possível sobreviver, heis que encontrei o lugar certo dentro de mim para o encaixar, sem ter de nos matar. Ele ensinou-me o prazer supremo. Mostrou-me toda a beleza da vida. Levou-me ao inferno e ensinou-me a sair dele. Enfim, fez-me perceber porque jámais terei pretensões à perfeição. Pois sendo eu perfeita (por mera suposição), como poderia compreender e perdoar todos os outros? Ainda o amo como a mais ninguém, mas ninguém sabe disso senão ele mesmo. Amo-o da forma que se pode amar alguém que um dia nos deu a felicidade quase absoluta e que, só por isso (ou não só) não pode ser esquecido.

O meu terceiro grande amor foi quase ou talvez apenas, um idílio. Eventualmente nascido da necessidade extrema que tenho de amar. Ajudou-me a recuperar a autoconfiança. A reencontrar-me com a adolescência, não só na forma de sentir e querer, mas também na paixão pela música e o prazer enorme de escrever. Foi assim, como redescobrir-me, regressar ao passado, ao tempo em que os professores me chamavam a menina dos fones e diziam que um dia eu seria escritora ou então uma eterna sonhadora. Fez-me sentir que só envelheço por fora, cá dentro continuo uma menina tola. E só por isso (ou se calhar nem só), nunca o poderei esquecer. E como eu gosto dele, como eu o amo!

Estou pronta para recomeçar.
Tenho a casa arrumada e sinto-me bem.
Porque nada se perde, tudo se transforma.
E é necessário ser feliz e fazer os outros felizes.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

THOMAS FEINER & ANYWHEN - THE OPTIATES


The Opiates - Revised
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Uma outra enorme paixão!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

BONDADE


A virtude que mais aprecio nas pessoas é a BONDADE: brandura, benevolência, qualidade de quem é bom, de quem é generoso.

Acredito que, se todos fossem bondosos, não haveria pobreza extrema, nem fome, nem frio, nem necessidades de vulto. Bastava que cada um fizesse uso diário da bondade, na proporção das suas possibilidades, para que a sociedade funcionasse de outra forma.

A pessoa mais bondosa que conheci foi a minha mãe. Filha de mãe solteira, miserávelmente pobre, dada ao trabalho com apenas 12 anos, sem qualquer ano de escolaridade, com sete irmãos mais novos para ajudar a criar. Fez-se adulta, casou, teve quatro filhos, fez-se empresária sem saber ler ou escrever e ajudou a criar todos os irmãos. Construiu casa própria, deu educação superior aos filhos e viveu sem dificuldades económicas.

Todos os dias a minha mãe matava a fome aos sem abrigo lá da terra. Sopa, pão, batatas, arroz e algo mais que ia confeccionando sempre em excesso, já com essa intenção - julgo eu e acredito que sim. Faziam bicha á porta da tasca.

O Zé, homem de quarenta e tal anos, alcoólico, vivia com mais quatro individuos numa casa cuja construção nunca fora acabada por falta de verbas e, dada ao abandono, sem reboco, portas ou janelas. O Zé não tinha família, dizia ele, mas nós bem sabiamos que todos o haviam abandonado por via do vício. Cheirava mal que se fartava! Porra, ainda me lembro bem como tinha de conter a respiração para o poder suportar! Bafo de alcoól destilado, e mijo e surro, tudo à mistura!
O Zé pedia esmola, mas o que ganhava só chegava para o vinho. Lá ia o zé todos os dias espreitar á tasca. O meu pai escorraçava-o como a cão com pulgas, mas o Zé escondia-se, pois bem sabia como tudo funcionava. Depois esperava que eu aparecesse e lhe fizesse sinal. A minha mãe dizia-nos: - Vá, chamem o pai, entretenham-no, não deixem vir para aqui." E nós obedeciamos. E lá ia a minha mãe entregar o farnel ao Zé. Depois ela chegava ao pé de nós com aquele ar comovido e dizia: - "Tenho a certeza que o zé ainda não comeu nada hoje. Coitadinho, é um miserável, ninguém quer saber dele! Se calhar é por isso que ele está neste estado. Vá, já podem largar o pai." - E tudo se repetia diáriamente, com o Zé, o Manel, o Marreco e outros bebedos que por ali passavam.
A minha mãe tinha muita pena dos sem abrigo. Os invernos lá na terra eram a doer, caíam geadadas de deixar tudo branquinho como se de neve se tratasse, mas não era neve, era gelo. E ela arranjava cobertores para todos. Nunca conheci uma pessoa que tantos cobertores comprasse! Deve ser por isso que o meu pai está sempre a dizer: - "Tenho a casa cheia de cobertores. Mas que mania a da tua mãe, estava sempre a comprar cobertores! Nem sei onde os guardar! O que é que eu faço a tudo isto?" - "Dê-os aos sem abrigo. Acho que era para isso que a mãe os comprava." - Respondeu-lhe eu.
O zé só tinha quarenta e tal anos. Levava os dias a beber e dizia que só comia o que a minha mãe lhe dava. foi encontrado morto numa manhã fria de inverno, enrolado em dois cobertores que também a minha mãe lhe havia dado, sobre uma cama feita de papelão. A minha mãe chorou como se lhe tivesse morrido um familiar. E creio, deve ter sido a única pessoa sem abrigo que esteve no miserável funeral do zé.
A bondade de uma só pessoa pode não salvar uma outra pessoa, mas a bondade de muitas poderia fazer a diferênça.
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Rome Wasn't Built in a day - Morcheeba