terça-feira, 24 de março de 2009

TERNURAS



Eu deveria estar aqui a ruminar um mau humor desenfreado, a fazer figas, a ligar prá bruxa pra saber do dia d´amhnã. Porque, depois de perder o pc, atrasar vários dias de trabalho, acumular este e ter de dobrar as horas sem descanso, ainda fui apanhada por uma constipação que me tolheu o fim-de-semana inteirinho, com febres, tosse e noites insuportáveis. Mas tenho instalada uma ternurice, aqui bem no centro da máquina que, não fosse a ansiedade da fumaceira que não tem sido possível devido à dor de garganta e do peitoril, eu diria: "La dolce vita".

Há dias um amigo disse-me: "Não sei ser feliz! Não sei! E não me perguntes porquê. Se consigo aquilo que quero, ao invés de desfrutar e gozar plenamente, começo logo a ficar ansioso com o medo de perder. Se me apaixono e sou correspondido, ao invés de viver plenamente, começo logo a pensar que não vai dar certo, que ela me vai deixar, etc, etc, etc..."

Pois eu costumo dizer: "Não sei ser infeliz! Não sou feliz ou nem sempre sou feliz. Mas, a verdade é que não consigo estar infeliz por muito tempo. Estou sempre a arranjar encantamentos, ternurices e adornos para embelezar vida."

Pois ando ando com uma ternurice!...

Os cheiros da Primavera são algo que assemelho ao som do "Muse". Entram devagarinho, sentimos como quem não quer a coisa, começamos, então, de repente, a sentir mais fundo, até que entram dentro de nós, histéricamente, irrompendo por todo o corpo de forma divinal e excentrica. É impossível ficar indiferente aos cheiros da Primavera. Noto-os principalmente quando ando a passear o cão pelos sitios mais baldios. Tenho pena de não conseguir identificá-los. Da mesma forma que me é impossível ficar indiferente ao som do "Muse".

Esta ternurice anda a tentar-me!!
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Kiss - Prince

domingo, 22 de março de 2009

A CONTAR HISTÓRIAS

Tem quase 70 anos. Um corpo esdruxulo, possívelmente devido á idade, mas uma aparência irrepreenssível! Sempre muito produzida, bem apresentada, sofisticada, bom gosto, tudo a rigor, desde o baton ao penteado, dos sapatos à mala, da vestimenta ao perfume. É daquelas velhotas que se destacam pela boa aparência, simpatia e educação. É viuva, tem filhos e netos que a visitam muito regularmente e se preocupam com ela. É independente, casa própria e bem reformada. Da vida dela a só conheço o que a mesma me vai contando nos rápidos encontros no elevador ou no café da esquina. É muito doente, desloca-se devagarinho, muitas vezes de bengala por causa das artroses. Já vai no segundo pacemaker. Sempre que a encontro digo-lhe que está deslumbrante (o que é verdade), arranjo-lhe o decote, traço-lhe o baton e aprecio intensamente o brilho que lhe irradia dos olhos.
Por detrás daquela aparência sofisticada e cheia de luz, está um ser muito carente de ajuda porque muito debelitado!
Ontem encontrei-a á porta de casa em pleno dia, muito aperaltada! Perguntei-lhe se ia passear. Encostou-se a mim e segredou-me que estava à espera do companheiro. Fiquei sem saber o que dizer!
E então contou-me que tem um companheiro desde há uns tempos para cá. Ele leva-a a passear, acompanha-a a espectáculos e faz-lhe companhia.
- Mas somos muito independentes, cada um vive na sua casa e faz a sua vida que é para nos aborrecermos um do outro. Às vezes fica aqui comigo, mas como ressonamos muito e nos incomoda o sono, ele dorme no quarto das brincadeiras e eu durmo no meu. - Disse-me enquanto lhe ajeitava o baton. - O quarto das brincadeiras é aquele onde fazemos aquelas coisas, sabe... que os casais fazem... Mas pouca gente sabe disto.
- Não se preocupe, não conto a ninguém. - Respondi meia apardalada!
- A vida não tem encanto nenhum sem estas coisas! - Continuou.
- Pois não! - Disse eu num suspiro.
- O desgraçado do velho já está atrasado! Será que lhe aconteceu alguma coisa? Vou já ligar-lhe." - E sacou do telemóvel.
Fiz-lhe sinal que ia entrar. Fui escadas acima a pensar nas palavras da velhota. Afinal os velhotes têm mais sabedoria que nós, não é verdade!? Afinal os velhotes brincam!! Mesmo com pacemaker e de bengala!!
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Há pouco fui despejar o lixo, parou um carro à minha frente conduzido por um velhote e lá estava ela ao seu lado. Piscou-me o olho e acenou a cabeça disfarçadamente no sentido do condutor. Pisquei-lhe o olho e disfarçadamente dei meia volta e pirei-me.

A vida tem mais encanto na hora do amor, até os velhotes sabem disso!


Rooks - Shearwater

EM MOVIMENTO


"Não insistamos em tornar o amor suficientemente forte para que mereça a pena morrer-se por ele. Porque, apesar de um dia termos pensado que morreriamos se não obtivessemos o amor do ser amado, a pouco e pouco verificamos que uma vez na posse ou não desse amor, depende do caso, a hipótese de termos morrido teria simplesmente evitado a vergonha de perceber até que ponto essa morte teria sido um erro perfeito"


- Jasper Evian em Pai Filha -
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In The New Year - The Walkmen

sexta-feira, 20 de março de 2009

DIVÓRCIOS


“Lembre-se que todos nós caímos. E é por isso mesmo que é muito mais seguro andar de mão dada.”- Emily Kimbrough


O Homem é um animal fascinante! Casa-se por amor e divorcia-se por ódio!

Há demasiados divórcios traumáticos. Principalmente para quem trata deles! Porque os verdadeiros intervenientes estão tão embrenhados na luta, que fazem do processo um prazer satãnico, empenhando-se até ao limite em usar as melhores técnicas de tortura psicológica. Cada qual com as suas razões cegas, alimentadas dia a dia, num palco de cenários dramáticos em que o único objectivo é espesinharem-se. Muitas vezes para disfarçarem um desejo oculto de se envolverem fisicamente dentro dos lençóis, nem que seja por uma última e derradeira vez.
Realizado o divórcio, decorrido o primeiro acto.
Havendo filhos, temos um segundo acto garantido. Agarram nos putos como quem agarra um objecto, um trunfo, e jogam à batota. Ora agora jogas tu, ora agora jogo eu. Inventam-se cartadas, somam-se e subtraiem-se pontos e é ver quem vai ganhar ou perder. Neste acto, quase sempre há uma equipa que perde efectivamente, composta pelos membros que nem sequer estão a jogar: os filhos.
O terceiro acto começa com a partilha. Cada qual a tentar esfolar o outro, a levá-lo à miserabilidade extrema, ao esfrangalhamento dos nervos, à loucura! Este acto pode levar anos entre ameaças, coacção e ofensas de toda a espécie. Na melhor das hipóteses, pode haver um de entre os dois que sob efeito de uma elevada dose de prozac, ceda, abdique, renuncie e faça acordo.
Por vezes, não poucas vezes, estes ainda geram subactos, decorrentes de maus tratos fisícos, subtracção de bens, enxovalhamentos sociais e/ou agressões morais e patrimoniais.
Pelo que, a relação que deveria terminar com o divórcio, cada um seguindo o seu caminho, pode perdurar por muitos anos!
Não há batalhas mais crueis!

Às vezes questiono-me se estas pessoas estavam realmente preparadas para se separem, sendo certo que não o estavam para viverem juntas! É uma questão complicada.

Normalmente é longo e tortuoso o caminho que vai do amor ao ódio! Na sua imensa capacidade de raciocínio e de enfrentar e resolver dificuldades, o Homem deveria encontrar os meios mais racionais de equilíbrio. Mas são os afectos e desafectos amorosos aqueles que mais nos desgraçam!

Viver a tempo inteiro com o feitio e as manias do outro é (pode ser) uma espécie de cálvário. Ou jogam ambos na mesma equipa definindo as estratégias, conjugando os remates, comemorando as vitórias, ultrapassando as derrotas ou a crucificação é certa!

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quinta-feira, 19 de março de 2009

ON


Estou com uma ternurice inabalável! Por hoje, bem entendido. Amanhã logo se vê.


Desgastam-me os diálogos quase monógolos sobre as concretas figuras da justiça. Apesar da subjectividade de cada um, penso que existe um padrão moral de conduta sobre o qual se torna desnecessária a discussão do conceito. O eu e os outros. O que é mau para mim o será, certamente para os outros. Logo, não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti. O eu e os demais. Se vivo com os demais, não posso ou não devo direccionar o olhar únicamente para dentro ou para o espelho onde apenas o meu reflexo se manifesta. Será, tão só uma questão de bom senso, de coerência e sobretudo de boa formação.


Apesar disso, sinto uma ternurice. Uma daquelas coisas que se infiltra nos poros e tem o efeito de uma droga que nos faz sorrir, nos aviva as cores, transforma os sons em musica, diminui a ansiedade e alastra-se pelo pensamento e pelos sentidos. Todos nós temos necessidade de um ópio de vez em quando.
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Should I Stay or Should I go - The Clash

segunda-feira, 16 de março de 2009

IN


Eu até já tinha chegado á primavera. O sol, a beira mar, os sussurros das gaivotas, as camisas leves sobre a pele, o tom rosado em volta dos sorrisos e a vontade de viajar. Eu até já pintava quadros na imaginação. Mas uma manhã acordei com a realidade a entrar-me pela janela e, ao invés de empunhar a espada e lutar, deixei-me ficar prostrada sobre a cama a cobrir-me de inverno.


Ofereceram-me uma lamela de Valdispert. Dizem que me trará o sono repousante que então acabou por se perder. Que me ajudará a organizar os ficheiros de memória, a compartimentar o cérebro e a reparar estragos. Que me trará de novo a primavera. Não sei. Não estou acostumada. Sou céptica com os químicos, mesmo quando me dizem que são naturais. Prefiro um bom jantar e uns copos de vinho. Umas cigarradas e música num bar a cheirar whisky. Uma noite de sexo.


Fico aqui agarrada às minhas perdas, paraplégica, mórbida, quase apática, a envelhecer. E nem me sinto deste tempo. Acho que este inverno não é meu. Ainda assim, sinto-me fria. A morrer, porque morre em mim aquilo em que acreditava. Morre em mim uma invenção. Um capítulo que nunca se fez livro.

Preciso de um silêncio absoluto. Parece-me que só já tenho um único e último coração e é urgente saber o que fazer com ele. Hoje estou cansada desta rua de sentido único.
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In Your World - Muse

domingo, 8 de março de 2009

TUDO O QUE TE DISSER



São feitas de palavras as palavras
e da melancolia
da ausência da prosa e da ausência da poesia.

É o que falta
que fala do lugar do exílio
do sentido e da falta de sentido.

Tudo o que te disser
tudo o que escrever
sou eu a perder-te.

Cada palavra entre
o que em mim é corpo
e é nela sopro.


(Manuel António Pina em "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança")


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quinta-feira, 5 de março de 2009

O QUE NÃO ME MATA FRAGILIZA-ME



"... somos tolos quando pedimos que algo dure e somos mais tolos ainda quando não desfrutamos enquanto permanece."


O meu pai está muito doente. É irreversível, incurável, temporário...

"Tens de te preparar" dizem os meus irmãos!

Como é que eu me preparo? Como é que alguém se prepara? Qual postura, qual sentido, qual fórmula?

Assim, tão de repente!... Fico de pernas para o ar e começo a ver o mundo ao contrário! Não sei lidar com as perdas! Os pensamentos perdem o nexo. São imagens a baralharem-se todas, cruzadas, sobrepostas, no cérebro, a atormentarem-me, a confundirem-me. Perco a concentração, o apetite e não durmo. Não sei lidar com as perdas! Choro de hora a hora. Quando não estou a chorar faço tudo o que tenho a fazer com uma certa perícia esquizofrénica, automatizada, como se dentro de mim não tivesse um coração mas uma máquina a pilhas que se gastam de hora a hora. Não sei lidar com as perdas! Fico com dores nas costas, dores de cabeça e caminho de forma incerta, errante, ao acaso.

Não sei como lidar com o que ando a sentir! Já tive de o sentir antes, mas não sei como lidei com isso e nem me quero lembrar!

Na terça-feira acordei para esta realidade: preciso de me preparar! E ando a tentar perceber como é que me vou preparar!

segunda-feira, 2 de março de 2009


Há pessoas que têm a certeza de tudo e avançam certeiras para tudo. Eu só tenho uma certeza, a de que não tenho certeza nenhuma!

Tudo é transitório, porque tudo passa, tudo se transforma, tudo perece. Será que tudo é provisório? Só o hoje vale alguma coisa? Se nada é definitivo, alguma coisa é estável? Afinal o que é permanente? Não sei! O que sei, é que é importante ter compromissos. Eles são importantes porque nos envolvem. E nós precisamos de nos manter envolvidos com algo em que acreditamos. E quando acreditamos pretendemos continuidade. Porque só a continuidade garante a conexão e a dedicação. E só estas podem dar algum sentido áquilo que é a nossa vida, tão instável e curta.

Os dias passam, vão-se, uns sobre os outros, a somar anos. O tempo corre alucinado! E nós deixamos correr os dias - páginas em branco - a costurar dúvidas, a arredar possibilidades -desconstruindo. Por vezes, a vida parece um encontro casual! Um enredo de filme que nos sentamos para ver! Estaremos nós presentes? Faremos parte? Ou assistimos, batemos as palmas, comentamos e deixamos passar?

Hoje cantei o dia todo. Não sei se feliz se triste. Não sei que músicas, que canções me acompanharam. Cantei pelas ruas, pela casa, pelo escritório. Fiz-me de maluquinha, mesmo sem dar por isso, mesmo sem me importar. Hoje precisei de cantar para travar o medo. - Sei, meu pai, que já estás velhote. Não o queria saber, porque teimo em te ver sempre igual. Hoje estás no Hóspital, amanhã serás operado e não sei mais nada. Porque vais ficando cada vez mais pequeno e doente e eu fecho os olhos, para não deixar entrar o pánico que me cobre com a ideia, cada vez mais tentadora e persistente de que te vou perder.
Tenho medo, confesso! De tanta transitoriedade! Quebro-me. Metade de mim senta-se como que a orar - como se alguma vez tivesse conhecido a fé! A outra metade solta-se em palavras enquanto a alma se contrai de medo. Tenho medo!