terça-feira, 9 de junho de 2009

COISAS QUE NOS APAGAM

Foto: "Fundida"
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Ela chegou vestida de preto, grande como um poste, engelhada como um papel de embrulho, mais velha ainda que os seus setenta anos. Entrou a arfar como um sapo acabado de fumar um cigarro e agarrou-se à primeira cadeira que viu na sala. Caiu sobre ela como um torpedo. Possívelmente, noutros tempos, antes da vida lhe sugar o encanto, sentar-se-ia com a graça de uma pétala fresca a caír da rosa.
- Meu Deus! Parece que acabou de chegar de uma peregrinação! - Comentei com um sorriso.
Ela levantou os olhos escuros, na minha direcção e fixou-me como se não me visse, até proferir um apagado "quase". - Vim a pé, de casa.
- De casa? Mas são uns de 5 km!
- Sim. Para estar aqui às 14H30, tive de saír ainda não eram 12h00. Custa-me muito a andar! - Falava e arfava simultâneamente.
Sentei-me a seu lado e perguntei-lhe: - Fez alguma promessa? Tem tantos autocarros, passam de 10 em 10 mn!
Ela olhou em redor por várias vezes. Deixou caír os olhos no chão e demorou algum tempo para dizer, muito baixinho: - Tenho vergonha de lhe dizer, mas vou dizer porque é a verdade... não tenho dinheiro para o autocarro. Não tenho um tostão comigo. A reforma são 270,00 euros, quando a recebo é só para pagar dívidas. Não sei o que hei-de fazer da minha vida!

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Eu também não sei o que hei-de fazer destas vidas! Eu nem sei o que lhes dizer!
Para onde caminhamos? Quem caminhará connosco?
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Dance with somebody - Mando Diao

Um comentário:

maoqueeaaf disse...

Tive recentemente experiências inacreditáveis, muito parecidas com esta, numa intituição do Porto onde fiz voluntariado... O mais dramático é ver o número de pessoas a recorrer a uma sopa a subir assustadoramente!...