quarta-feira, 19 de março de 2008

CIÚME



O cíume é uma forma desagradável, desorganizada e obsecada de sentir. É um sentimento que está intrínsecamente ligado à nossa educação e formação, não só familiar como pessoal. E esta eduação é mesmo secular. Nós, ocidentais, vivemos numa sociedade monogámica e patriarcal, desde "sempre". Onde, ao macho sempre foi tolerável infidelizar, quer no seio do casamento, quer no seio de uma qualquer relação. Tempos houve até, que, infilelidade era sinónimo de robustez, mas só por parte do macho.

Se olharmos para o passado e fizermos uma análise das leis, não só sociais, mas das próprias leis constitucionais, verificamos que, o adultério era aceitável no macho, mas era considerado um crime quando praticado pela femea. A sociedade não se faz num dia e a moralidade muito menos. Trata-se da evolução do pensamento social ao longo dos séculos.

Mas hoje, vivemos tempos verdadeiramente revolucionários. Não se trata de direitos adquiridos. Trata-se, na verdadeira acepção da palavra, de "mentalidades". Hoje, ninguém é de ninguém. A liberdade individual é um bem supremo. Cada um tem de a viver da melhor forma. E a melhor forma é respeitando os outros, repeitando-se a si mesmo, vivendo de acordo com as suas convicções e assumindo as consequências das suas opções. Por isso, quando aceitamos o outro como ser independente e livre, aceitamos as escolhas deste enquanto tal e, libertamo-nos de sentimentos como o ciúme. Não significa isto que consigamos erradicá-lo dos nossos sentimentos, mas que consigamos viver com ele, que não seja ele a governar as nossas vidas. Nem significa que aceitemos todo o tipo de comportamento, mas que agimos ponderadamente e segundo as nossas convicções. Porque ó ciúme é alheio e inimigo da ponderação. Por isso, a forma como controlamos o ciúme depende muito da liberdade com que vivemos e da liberdade que cedemos aos outros.

Amamos mais uma pessoa por pensarmos que ela nos é fiel? Deixamos de amá-la quando sabemos que ela nos foi infiel? Ou passamos a amá-la menos? Não. o amor não se mede numa escala de fidelidades. O que pode acontecer é que isso perturbe a nossa segurança emocional. O que tememos afinal? O que nos faz doer? O conhecimento de que outro praticou sexo com terceiro? Não. Na verdade, é o receio de que o outro, ao partilhar intimidade, possa partilhar afectividade.

O que me faz sentir ciúmes não é o facto do outro ter tido prazer com terceira pessoa. Na verdade, é o medo que eu sinto de o outro continuar a desejar essa outra pessoa, em detrimento do desejo que possa ter por mim. Em suma: é o medo que sinto do que possa existir ou vir a existir para lá do mero prazer momentâneo e ocasional.

Nesta fase da minha vida, em que já vivi muita coisa, não me incomoda o facto de a pessoa que amo "dormir" com outra pessoa. Não lhe terei menos amor por isso. Não farei disso um campo de batalha. Nem sequer tomarei isso como um facto relevante nas minhas decisões ou opções. Porque, independentemente da vontade, absolutista, que eu tenho, de o tomar só para mim, ele é livre de fazer o que entender. Por mais que queiramos prender alguém, jámais o conseguiremos. Nada depende da nossa vontade, quando duas vontades estão em jogo. Importante é mesmo aquilo que sentimos por essa pessoa e o que essa pessoa sente por nós. Nem sequer se trata de respeito. O certo é que, quando fazemos juras de amor e de fidelidade, numa determinada fase da nossa vida, não sabemos como tudo se pode alterar. Como este mundo é complexo. Como o facto de milhares de pessoas coexistirem e inter-agirem, pode influenciar a nossa vida. É importante libertarmo-nos de sentimentos como o ciúme, os quais podem comandar cegamente as nossas decisões.

Ainda assim, apesar destas teorias, não defendo a libertinagem. Acredito na fidelidade. levei muitos anos a libertar-me do ciúme, sem nunca o ter conseguido plenamente. Mas acabei por perceber que, é importante sabermos resistir a situações que possam colocar em causa as coisas que nos são queridas e imprescíndiveis. Quando percebemos que o ciúme resulta do medo que temos da pessoa amada poder vir a nutrir sentimentos por terceiro é porque temos consciência que a proximidade e o contacto íntimo é o melhor condutor do amor. Então, numa relação, cabe-nos evitar a infidelidade a fim de preservarmos o sentimento que temos pelo nosso companheiro. Mas, se a infidelidade acontecer, tenhamos o bom senso de poderar sobre o assunto. Não expulsar o outro da nossa vida pelo facto de ter tido prazer com terceira pessoa. Pois o ciúme não resulta do medo de o perder? Então fará sentido lançá-lo, assim, de mão beijada, à fera? Perde-lo de imediato, sem reflectir? Na minha perspectiva, o importante é reforçar o amor e criar pontos novos de atracção e carinho, pois jámais conseguiremos fazer com o nosso companheiro aquilo que conseguimos fazer com o nosso cão: obediência e fidelidade total. E isto vale para todos: homens e mulheres.

A vida segue sempre o seu rumo, com factos e acontecimentos aos quais somos alheios e nos farão sofrer. A medida desse sofrimento depende da maneira como encaramos a vida e da capacidade de compreensão da própria vida, do como ela é, independentemente do como gostariamos que ela fosse.

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Gravity - John Mayer

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