sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A CONTAR HISTÓRIAS


Ela sentou-se sobre a cama. Passou os dedos pelos cabelos desgrenhados e esfregou os olhos. Agarrou na caneta e começou a escrever:


"Não te tenho escrito porque causa das consoantes. Consoante o tempo, consoante a vontade, consoante isto, consoante aquilo. São muitas as consoantes que têm andado a abalroar-se nos meus dedos. E eu com medo que tudo se transformasse em palavras sem sentido algum. Tenho andado a olhar para o outro lado das coisas, sabes, o outro lado. E é então que percebo que não existes nesse outro lado das coisas. Nem tu, nem a tua sombra. A príncipio ainda procurei por ti, mas nem sinal! Ainda passei algum tempo debruçada na janela, a pensar que poderias estar a observar-me de algum ponto distante ou escondido. Mas nada! Senti-me tentada a escrever-te mas fumava um cigarro de cada vez que a tentação surgia. Também por causa dos pontos finais. Sim, também é por causa deles que não te tenho escrito. Gela-me o medo de ter de colocar o último ponto. O ponto final. Falta-me a intensidade, a frase certa, o momento apropriado e a delicadeza com que haverei de o colocar.
Não tenho palavras nem significados para descrever o que ando a observar no outro lado das coisas. É tudo tão genialmente simples e resumido e a cheirar a fresco! Mas para que lado hei-de eu fugir se me cansar? A felicidade também cansa. Caramba! Acordar todas as manhãs com a felicidade a dançar em bicos de pés sobre a nossa barriga!
Estou com pressa. Tenho de continuar a caminhar. Meti na cabeça que haveria de me encontrar com o homem da lua. Talvez te volte a escrever um dia destes..."

Algum tempo depois saiu para a rua e esqueceu a carta sobre o leito.
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Standing on the shore - Empire of the Sun

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