domingo, 22 de março de 2009

A CONTAR HISTÓRIAS

Tem quase 70 anos. Um corpo esdruxulo, possívelmente devido á idade, mas uma aparência irrepreenssível! Sempre muito produzida, bem apresentada, sofisticada, bom gosto, tudo a rigor, desde o baton ao penteado, dos sapatos à mala, da vestimenta ao perfume. É daquelas velhotas que se destacam pela boa aparência, simpatia e educação. É viuva, tem filhos e netos que a visitam muito regularmente e se preocupam com ela. É independente, casa própria e bem reformada. Da vida dela a só conheço o que a mesma me vai contando nos rápidos encontros no elevador ou no café da esquina. É muito doente, desloca-se devagarinho, muitas vezes de bengala por causa das artroses. Já vai no segundo pacemaker. Sempre que a encontro digo-lhe que está deslumbrante (o que é verdade), arranjo-lhe o decote, traço-lhe o baton e aprecio intensamente o brilho que lhe irradia dos olhos.
Por detrás daquela aparência sofisticada e cheia de luz, está um ser muito carente de ajuda porque muito debelitado!
Ontem encontrei-a á porta de casa em pleno dia, muito aperaltada! Perguntei-lhe se ia passear. Encostou-se a mim e segredou-me que estava à espera do companheiro. Fiquei sem saber o que dizer!
E então contou-me que tem um companheiro desde há uns tempos para cá. Ele leva-a a passear, acompanha-a a espectáculos e faz-lhe companhia.
- Mas somos muito independentes, cada um vive na sua casa e faz a sua vida que é para nos aborrecermos um do outro. Às vezes fica aqui comigo, mas como ressonamos muito e nos incomoda o sono, ele dorme no quarto das brincadeiras e eu durmo no meu. - Disse-me enquanto lhe ajeitava o baton. - O quarto das brincadeiras é aquele onde fazemos aquelas coisas, sabe... que os casais fazem... Mas pouca gente sabe disto.
- Não se preocupe, não conto a ninguém. - Respondi meia apardalada!
- A vida não tem encanto nenhum sem estas coisas! - Continuou.
- Pois não! - Disse eu num suspiro.
- O desgraçado do velho já está atrasado! Será que lhe aconteceu alguma coisa? Vou já ligar-lhe." - E sacou do telemóvel.
Fiz-lhe sinal que ia entrar. Fui escadas acima a pensar nas palavras da velhota. Afinal os velhotes têm mais sabedoria que nós, não é verdade!? Afinal os velhotes brincam!! Mesmo com pacemaker e de bengala!!
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Há pouco fui despejar o lixo, parou um carro à minha frente conduzido por um velhote e lá estava ela ao seu lado. Piscou-me o olho e acenou a cabeça disfarçadamente no sentido do condutor. Pisquei-lhe o olho e disfarçadamente dei meia volta e pirei-me.

A vida tem mais encanto na hora do amor, até os velhotes sabem disso!


Rooks - Shearwater

Um comentário:

maoqueeaaf disse...

Quero tanto ser assim quando for velhinha!!!!