sábado, 29 de agosto de 2009

Foto: Óbidos - "Ruelas, portas e janelas II"
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O ser humano é um ser dependente. Ele cria as suas próprias dependências porque não sabe viver sem elas. É dependente desde a nascença. Tarda em se separar dos pais. A maioria das vezes larga a dependência dos pais para uma outra derivada do casamento ou da união de facto. O ser humano necessita de ter dependências físicas, emocionais e psicológicas. Não necessita apenas das suas mas também das dependências dos outros, essencialmente daquelas que ele próprio cria ou ajuda a criar nos outros.


Era 1H00 da manhã, os Xutos já tinham actuado, andavamos nas caipirinhas, enquanto isso, o marido de uma telefonou seis vezes. Tive de a levar a casa pois só havia um carro e calhara ser o meu. Todo o brilho desaparecera dos seus olhos agora sombreados.
- Sempre tive horários para chegar a casa, só que às vezes, estou tão bem que me esqueço, o pior é depois. Em solteira eram os meus pais que os marcavam, depois passou a ser ele. - disse-me.
- És feliz assim? - Perguntei-lhe.
- Não. - Respondeu-me
- Já fizeste alguma coisa para mudar isso? - Perguntei-lhe
- Não consigo. Ele controla todos os meus passos. - Respondeu-me. - De qualquer maneira, eu não saberia viver sozinha. Nunca seria feliz sozinha. Estou melhor assim.
- Cada um é que sabe das suas dependências. - Comentei por último.

Há dias fui jantar com uma amiga ao tão falado Freeport de Alcochete. Pelo caminho ela desatou a chorar. Já tinha percebido que a felicidade não era coisa que a abordasse muitas vezes, mas achava que ela era tão independente quanto me parecia possível.
- Não suporto o meu marido. Faz-me a vida num inferno! Parece uma coisa, mas é outra, ninguém imagina como ele me trata mal, abaixo de cão. Só não o deixo porque dependo dele económicamente, se não fosse isso, há muito que o teria deixado. - Desabafou.
- Não dependes nada, tens os teus rendimentos, podes muito bem manter-te a ti própria. - Disse-lhe.
- Eu não sou como tu. Nem imaginas como te invejo! Só precisas do dia a dia para andar bem disposta! Mas eu não saberia ser feliz com o dia a dia, preciso de um certo luxo a que estou habituada, de férias no estrangeiro, e poder gastar quanto me apetece e no que me apetece. Como poderia privar-me do tipo de vida que faço? - Disse-me.
- Bom, então as tuas dependências são outras. Cada um é que sabe das suas! A felicidade não é coisa simples, mas quase sempre se encontra na simplicidade. Nunca tive medo de abdicar, mas às vezes tenho medo de arriscar, principalmente quando o risco é o de perder a liberdade a troco de nada. Não me serve para nada um jantar caro num restaurante de luxo sem uma boa companhia e uma conversa agradável, a não ser que o faça sozinha e por deleite próprio. Ter férias no estrangeiro em hotéis luxuosos sempre de trombas um com o outro, ter discussões debaixo de um coqueiro, trata-se apenas de mudar o cenário de guerra para um mais vip. Mas diz-me, os arremessos e os palavrões usados também são mais caros e mais eruditos? Eu prefiro a praia aqui do lado, um guarda sol, um livro e o Mp3 e se tiver companhia ainda melhor. Mas como eu costumo dizer, cada um é que sabe.


Ela fuma, mas o marido não sabe. Porque ambos decidiram deixar de fumar ao mesmo tempo. Parece que ele conseguiu - a menos que também o faça às escondidas - mas ela não.
- Como é possível que ele não se aperceba? Não entendo, o cheiro do tabaco é bastante comprometedor. Bem podes mascar xiclete, vaporizares-te com perfume, sempre há-de ficar alguma coisa. Afinal como é que consegues? - Comentei.
- Com pouco contacto físico. - Disse-me prontamente.
- Xi! Não há beijos, uns apertõezinhos, umas rapidinhas na casa de banho, umas dentaditas no pescoço, uns encostos disfarçados na rua?... abidicas disso só pelo tabaco? Não era melhor falares com ele?... - Eu, feita parva!
- És parva? Ia ser uma chatice, uma grande zanga! Julgas que são todos malucos? Que eu até gostava de ser maluca, já fui noutros tempos, lembraste quando eu namorei com o... Porra! Não me lembres desses tempos! Mas nós dois nunca fomos assim e agora nem pensamos nisso. É melhor assim. - Respondeu.
- Pronto, pronto. Toma lá um cigarro e consola-te. Cada um é que sabe dos seus consolos e desconsolos, das suas dependências. Tu bem sabes, para mim a vida é às cores. Cinzento só mesmo o fumo do tabaco, que eu tanto gosto, diga-se, assumidamente. E tudo o resto não tem nada a haver, nunca terá, com o ser maluco ou não. É preciso temperar o amor permanentemente e isso é possível. Tu sabes que eu sei que isso é possível. E mesmo assim olha que ele acaba por morrer! Claro que não depende só de um, ambos têm o seu papel, é por isso que é importante ser real, livre e independente, só assim o outro o poderá ser também. E a vontade de tocar físicamente e de fazer coisas também cresce com esse sentimento de bem estar, torna-se natural. E quando morre, as recordações deixam um sabor mais doce do que amargo. Mas cada um é que sabe... - Disse enquanto lhe acendia o cigarro.
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Who Wants to live forever - Queen

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