sexta-feira, 11 de março de 2011

CARTAS ANÓNIMAS


Sento-me ao teu lado e procuro o canal que não encontro. De comando na mão, vou passando de um para outro, quase frenéticamente, enquanto os cabelos te passam pelas costas em gestos soltos e rebeldes como se tivessem nas pontas as palavras que te quero dizer...
Quando me sento ao teu lado e seguro o copo com um gesto tímido, quero dizer-te, sempre... lembro-me sempre do dia em que te vi... quero sempre falar-te do dia em que desci a duna debaixo de um sol frágil de Abril. Estavamos inconstantes e inseguros, eu e o sol, na praia quase deserta, a meio de uma tarde quase insignificante e desciamos os dois, eu e o sol, com andar pesaroso. Foi quando deparamos com o teu biquini cor-de-rosa, de um tamanho quase inexistente, mas de uma luz praticamente ofuscante que nos paralisou. As areias moveram-se em torno dos pés como que a quererem engolir o dia. O mar pareceu-me, então, demasiado pequeno, também ele cor-de-rosa! Nunca tinha visto um mar tão diminuto e de uma cor tão transcescente! Tentei continuar a caminhada, mas os pés caíram perto de ti, ridiculamente prostrados, e todo o meu corpo a teus pés! Os óculos escuros ocultavam-te os olhos carregados de ironia, bem sei! Presa aos fones que te vinham das orelhas e as pernas bamboleantes sob uma música qualquer que eu não ouvia mas, idiota, me pôs a dançar, não sei que tango! A ti submetido, debaixo do sol, encostado aos cardos, num silêncio sufocante, cortado apenas pela brisa que me atravessava de vez em quando. Ali me detive entre olhares fugidios e disfarçados. Foi então que me deitei de bruços, a cabeça sobre o braço e os meus olhos escondidos a espiarem-te durante horas, inerte, as palpebras cansadas de se manterem abertas e feridas pela luz do teu biquini! Raios! Não sei se foi o teu biquini cor-de-rosa, se foi o tamanho do teu biquini, se o teu corpo deitado e dançante!... Não Sei! Escondias os olhos atrás dos óculos escuros, fechavas os ouvidos com os fones, afundavas-te na música e o teu biquini roubava-me as palavras! Mas falar-te foi uma inevitabilidade, ao mesmo tempo uma aventura e um sacrifício. Sabes isso, não sabes?
Passo de canal em canal e não encontro o canal certo, enquanto os teus cabelos se estendem desinteressadamente pelas costas, as tuas e as do sofá. Tento encontrar o jeito certo de me sentar, de pegar no copo e de te dizer... já te contei, em pormenor, o dia em que te vi?... Os teus olhos estão hoje exatamente com a cor que tinham no dia em que te vi, exatamente estáticos, exatamente tristes, perdidos e abandonados! Ainda tens aquele biquini cor-de-rosa? Queria atrever-me a perguntar-te. Não? Deixa lá! No fundo... no fundo, o que eu queria era ver-te sem biquini. Sabes isso não sabes? Deixa lá! No fundo, só queria falar-te de uma tarde de Abril, de um mar de cor fulgorante e uma inquietude abrasiva a comer-me a alma, há muito tempo... Mas deixa lá! Fica para outro dia.

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