segunda-feira, 16 de novembro de 2009

HÁ TARDES ASSIM!

Foto: Maré vazia ao anoitecer no Seixal


14H40 entro no café. Sento-me descontraidamente. A conversa estava animada. Dou por mim a falar do campo, do frio das serras, das aldeias com casinhas de pedra, do cheiro pestilento do estrume que tanto me incomodava quando era muida, dos burros carregados de lenha e de moscas esvoacentas à volta do focinho. Não, não cresci no campo, mas conheci-o muito bem porque estive sempre muito perto dele. Havia fragas gigantescas que se assemelhavam aos montros que me atormentavam de noite. À noite, nas estradas desertas, as serras e os montes eram grandes paredes escuras com janelas para um céu enorme carregado de estrelas. Sei disso porque me lembro muito bem de andar de mota com o meu pai. Saíamos de manhã, a caminho das festas das aldeias e regressavamos sob a noite escura. Aquela mota devia conhecer bem os caminhos, pois levava-nos, quase sempre aos sss, devido ao excesso de tintol de que o meu pai tanto gostava, por ali fora, até á porta de casa. Eu agarrava-me frenéticamente ao peito do meu pai, mas penso que o que mais me assustava eram as serras e os montes sombrios sob aquele céu imenso. Estava eu no café, a falar de uma casa pequena, no meio de nada, com um alpendre, uma cadeira de baloiço, o cheiro a terra molhada, o horizonte vazio de prédios, cinzento, amarelo, azul, consoante o tempo, as estações. Umas alfaces regadas, talvez uns tomates. Galinhas e outros animais comestíveis não, porque afeiçoar-me-ia e não teria coragem para os matar. Talvez me tornasse vegetariana, praticasse yoga ou meditação. Faria caminhadas, falaria com as plantas. Haveria de ter cães e gatos e faria piqueniques de manta estendida no chão. Eram 17H05 quando, de repente, comecei a sentir um calor estranho, falta de ar, uma fobia qualquer que me fez levantar e quase correr para a porta. Expliquei que tinha de sair dalí imediatamente. Faltava-me o ar e também um cigarro. Na verdade, creio que já não sei estar tanto tempo fechada num café. Perdi o hábito. E todo aquele sonho que estava a transbordar nas palavras fez-me sentir quão fechada é a minha realidade citadina, quão apertado o meu horizonte, quão pequeno o céu sob o qual vivo agora.

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Branches - Midlake

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