sábado, 26 de junho de 2010

DEVANEIOS


Carrego um enternecimento que preciso de pousar sobre uma pedra, para que a vida descanse. Porque não posso, não consigo, pousar uma pedra sobre o enternecimento.
Fui a um daqueles almoços em que os amigos se juntam e todos falam das coisas que se viveram e todos bebem exageradamente e todos riem de tudo e de nada. Cruzam-se os sons, os chim chins e assimila-se o alcoól.
- Ò minha amiga, o que é que se passa contigo, nem pareces tu! -Disse-me ela.
- Não sei! Nem eu sei! Estou tão ocupada que não me sobra um milimetro para mais nada!- Disse eu.
- E como foi que isso aconteceu?"- Perguntou.
- Não sei. Foi coisa que se foi alastradando devagarinho, primeiro ocupou-me o coração, depois a mente, depois os dias, as noites, e a agora talvez a vida!"
- Tenho um buraco no coração. - Disse ele.
- Eu não. Eu tenho os dentes cravados no coração. - Desse-lhe eu.
- Essa agora! Porquê? - Quis saber.
- Para o segurar. Para ver se ele não me foge. Está tão cheio que, suspeito, irá levantar voo. - Expliquei.
- O meu coração está feito em pedacinhos. - Disse um outro lá mais à frente.
- Aproveita e constrói um puzzle. - Aconselhei-o.
- Eu quero esquecer. - disse a rapariga com um falso suspiro.
- Não se esquece, supera-se. Só quando se supera é que se pode, então, parar de dizer que se quer esquecer. - Frisei.
Serve-se a sangria, o whisky e o gelado. Há gargalhadas pelo ar, até cairmos no aborrecimento ao cair da tarde.
Seremos todos muito mais felizes do que aparentamos ou aparentamos todos ser muito mais felizes do que somos?
- Estás ácida?- Perguntou-me ela ao ouvido quando me preparava para vir embora.
Chiu. Não respondas.
Ninguém tem de saber. Digo eu. Que falo baixinho para que ninguém me ouça. Ninguém tem de saber, que penso em ti todos os minutos. Que tudo me enfada porque só penso em ti. Que não estou em lugar nenhum senão no pensamento onde me parece encontrar a tua mão à distância dos meus cabelos.
- Hoje pareces-me ácida! - Comentou ela ao meu ouvido quando já saía a porta da rua.
Chui. Fala baixo. Não digas nada. Ninguém tem de saber senão tu própria deste doce enternecimento. Deste querer doido, deste desejo, desta vontade de gritar qualquer coisa.
Não, não estou ácida. Estou aturdida. Penso que preciso de descansar. De parar de sentir. De dormir um sono tranquilo.

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