segunda-feira, 28 de junho de 2010

A CONTAR HISTÓRIAS


Ela acende um cigarro. E depois outro e outro. Olha para o cinzeiro já cheio. Olha para a janela. Olha para dentro de si, a tentar definir os contornos dessa sua existência acrílica! Céus! Ela pensa. Que significado dar às coisas? Ela questiona-se.
Recorda aquilo que nunca teve ou que nunca viveu. Ao menos, poderá fingir contentamento? E contar o tempo ao contrário? Pensa. Não há nada dele que possa comprovar as horas infindáveis que passou a inventá-lo. Assim, pode apagar o que o sente. Ficar apenas com os grãos de areia nos olhos.
A lucidez abandonou-a. É uma saloia. Acende um cigarro. Foi sempre uma saloia. Se ele lhe pedisse para fugirem, fugiria com ele para qualquer lugar. Os dois montados num cavalo estúpido e cego a correr sem freio e sem destino. Sem razão nenhuma. O amor. O amor sem qualquer outra razão senão aquela sua própria razão. Será que ele a quer? Questiona-se. Renegaria a realidade. Quebraria todas as regras. Subiria o cadafalso como se fosse para a felicidade. Mas a ideia de infinto apaga-se na última fumaça do cigarro. Como as nuves, assim passam sobre nós e se diluem no céu.
Foi um mal entendido, dir-lhe-á ele. Ela sabe, já ilustra as palavras. Dói-lhe o peito. Sente um constrangimento na garganta semelhante a um nó de enforcado. Tem de parar de fumar. O tabaco mata. Foi tudo um mal entendido. Baralhei-me. Descontrolei-me. Ele acabará por lhe dizer. Foi uma neurose. Pensa ela. Como as águas de um rio, em dilúvio, que não encontraram o mar. Tomemos então um 605 forte. Voltemos aos espaços vazios, aos mesmos lugares de sempre, para que tudo seja antigo, para que tudo seja passado. Pensa ela enquanto estremece. Nunca chegou a dizer-lhe frontalmente que sonha com ele. Com o toque da pele. Não chegou a falar-lhe das coisas que queria que ele lhe ensinasse. Não foi por falta de vontade ou de tempo. É cobarde. É uma saloia submersa. Uma existência plástica. Não pode saber o significado a dar às coisas.
Acende mais um cigarro. O tabaco mata. Tem de parar de comer cigarros.

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