quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

CRISE?


Quando eu era miuda, o meu herói era o Sandokan. Depois cresci e o meu herói passou a ser o Richard Gere (ainda hoje tenho um fraquinho por ele, mas ninguém sabe disso). Com o passar do tempo o Mel Gibson que passou a estar presente nos meus suspiros. E quem é que nunca teve heróis?
Mas hoje, os meus heróis passaram a ser de ambos os sexos e deixaram de ser ficção.
Uma das minhas heroínas é uma Senhora idosa, minha cliente.
Esta Senhora nada tem de especial. É apenas mais uma daquelas idosas que o Estado e a sociedade nem sabem que existe. Não fosse o caso de um dia ter surgido na minha vida e, nem sequer eu, estaria hoje, aqui, a falar dela.
Trata-se de uma história singela de uma mulher de 64 anos, sózinha, carente e abandonada.

Viveu 14 anos com um velhote abastado mas muito avarento. Tratou-lhe das doenças, da casa, da roupa, da comida e dos filhos. Ao fim de 14 anos ele decidiu casar com ela. No regime de separação de bens dada a idade. Porém, os filhos dele - aqueles que ela ajudou a criar - começaram a pensar que se ele batesse as botas ela iria herdar alguma coisa. E então, com receio de virem a perder algum bem material futuro, fizeram um ultimato ao pai (que não era assim tão velho e creio que até amava a Senhora) para se divorciar, sob pena de não mais falarem com ele e de os perder para sempre (como se perdesse grande coisa!). O certo é que, em menos de um ano de casado, o velho expulsou a Senhora de casa com a roupa do corpo e pediu o divórcio litigioso.

Ela, com 55 e cinco anos, sózinha e apenas com uns tostões que tinha conseguido juntar ao longo de 14 anos, ficou desesperada. Sem ter para onde ir. Alojou-se numa garagem que lhe emprestaram por caridade. não tinha um chuveiro, nem uma banheira, apenas um colchão no chão e um fogão. Ainda assim, não desistiu de viver. Inscreveu-se numa escola e fez a 4ª classe. Aos 59 anos tirou a carta de condução e gastou os últimos tostões que lhe restavam num calhambeque, quase tão velho como ela, mas que a levava, devagarinho, estrada fora, aos sitíos onde os seus sonhos passeavam!

E dizia-me: "Não tenho dinheiro para lhe pagar. Não sei onde arranjar dinheiro para lhe pagar."

E eu respondia-lhe: "Deixe lá isso."

E ela dizia-me: "Mas tenho umas galinhas e uns coelhos e posso trazer-lhe uns ovos muito bons."

E eu respondia-lhe: "Deixe estar, deixe estar as galinhas, os coelhos e os ovos que lhe podem fazer falta."

Não é que umas galinhas e uns coelhitos sejam de deitar fora, nem pensar, mas aquela Senhora pagar-me? Meu Deus, eu é que devia pagar áquela Senhora! Por tudo aquilo que ela me ensinou, tudo aquilo que ela representa! Ela é um exemplo sem preço Uma heroína.
Continua a viver cheia de dificuldades, embora um pouco melhor. Mas também continua a passear no seu calhambeque e a respirar uma vontade de viver e de realizar sonhos, como nunca vi!
De vez em quando ainda me telefona para me dar um beijo, agradecer e dizer que ainda tem galinhas, coelhos e ovos.
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Crise: a palavra mais pronunciada!
Pois bem, quando a ouço, penso nesta Senhora e começo a sorrir. Sempre houve crise. Há crises em qualquer vida e até quando menos se espera. Sempre haverá crises e vidas em crise. Mas também haverá sempre um caminho. Só temos que seguir estrada fora ...
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Slave to love - Roxy Music

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