segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O MUNDO ESTÁ A MUDAR! EU NEM POR ISSO!


Quando o meu filho tinha oito ou nove anos, apaixonou-se pela Norelma desde o primeiro dia que a viu entrar no autocarro do colégio. Ela foi a primeira e a única negra a frequentar o colégio dele. Era uma novidade! Dia após dia, ele sentava-se silenciosamente ao lado dela. Não tinha coragem para proferir uma palavra - sempre foi tímido com as miúdas.! Mas chegava a casa e dizia-me que ela era linda, maravilhoasa e que, talvez, um dia, se casasse com ela. Estranhamente, esta paixão durou todo o ano lectivo, ou seja, nove meses - numa criança, é de louvar! Mas a Norelma, um dia partiu e não mais voltou! E, embora ele já nem se lembre do nome dela e até diga já nem se lembrar da paixão, eu não a esqueci. E não esqueci porque percebi que o meu filho era uma criança diferente. Não era melhor nem pior, apenas diferente! Diferente no sentido que tinha referências educacionais : referências que não eram racistas, anti racistas, pluralistas, não pluralistas ou outras coisas que tais, simplesmente referências no sentido que: o mundo é um universo de diferenças, com as quais lidamos diária e naturalmente e, se possível, apreciamos com o coração e olhos de artista. Se soubermos olhar as diferênças com o coração e olhos de artista - é impossível não lhe encontrarmos a beleza e não nos apaixonarmos por elas!



Foi assim que eu fui educada. Claro que só o reconheci em adulta, já amadurecida.



Quando eu andava no secundário, tive um namorado da Torre de Moncorvo, que era lindo, lindo! Alterrímo, olhos verdes, cabelos compridos e castanhos claros, magro, moderno, fâ incondicional do David Bowie e fazia uma figurona ao meu lado.
Um dia, na noite do baile de finalistas - eu adorava dançar ( e ainda adoro) - levei-o a jantar lá a casa. O meu pai, como sempre, simpatiquérrimo, fartou-se de contar anedotas e pintar a manta, mas, depois do jantar, antes de eu saír, chamou-me e disse-me: - "É pá, o teu namorado é um miúdo simpático, mas é bonito demais para rapaz! Além disso, usa cabelo à menina, traz aquele turbante ao pescoço... não sei!!!... vê lá se não é larilas! Se calhar, lá no baile, vais ver que há rapazes mais interessantes! " - E depois começou a rir. Foi a maneira de ele me demonstrar a sua opinião, a brincar, sem a impôr e sem me ofender. Era assim que os meus pais funcionavam.



Quando entrei para a faculdade - vida nova, mundo novo - criei uma amizade nuito grande com um rapaz da minha turma, que era homossexual. E me mostrou o mundo visto com os olhos dele.
Divertiamo-nos e filosofavamos. Bebiamos muito nas noites de Coímbra! E dançavamos! Ele dançava tão bem! Lembro-me, uma noite, sentados no balcão de um bar, já muito bebidos, ele disse-me: "Um dia, se nos desencontrar-mos, vou dar contigo, já velhota, toda enrrugada, sentada num balcão de um bar, a ouvir música, encanecada e a filosofares sobre a vida, com alguém que tenha o azar de se sentar ao teu lado! É o teu destino!" - Dizia-me isto com muita frequência!
A última vez que o vi foi há nove anos, quando veio passar um fim de semana a minha casa com o companheiro dele e me recordou da sina que me havia traçado.



Eu, uma rapariga do campo e das letras (habituada a sentar-me à sombra das árvores a ler um livro, a colher flores e a prescrutar ninhos de andorinhas com o meu telescópio) - como lógico seria, num mundo de diferênças - acabei por me juntar e casar com um rapaz das matemáticas, citadino, da capital, surfista e todo direccionado para o litoral. Eu apaixonei-me pelo mar. Ele apaixonou-se pelo campo. Eu fui sózinha para Paris, ele foi sózinho para a Madeira e para os Açores. Eu fiquei na terra dele, ele migrou para uma pequenina terriola alentejana plantada á beira mar e encostada ao campo. E assim permanecemos juntos e separados por vários anos. Atolados em diferênças que nos completavam!



Durante muitos anos, criei gatos. Tinha uma afinidade enorme com os felinos! Tive a Micas, o Urtigão, o Loirinho, a Michy o Twiky, a Nininha e a Marta. Tinha um relacionamento muito intenso com eles . Quando morria um, andava de luto durante muito tempo, era uma perda enorme!
E sempre tive medo de cães! Um dia, tocaram-me à campaínha. Abri a porta e vi uma mão estendida com um novelo de pelo branco com um narizinho preto e uns olhinhos escuros carregados de sono. Era uma coisinha tão linda! Tão!... Foi amor á primeira vista! Ainda dura, apesar de me ter roído as cadeiras, o rodapé, um sapato, chinelos, fios eléctricos, etc.
Descobri as diferênças e já não sei de quais eu gosto mais! Se de gatos, se de cães!



Hoje deu-me para divagar!

Se desse asas ao pensamento e ás mãos, ficaria aqui a teclar até ser dia!

Tudo isto porque ontem se colocou a hipótese de se aceitar o casamento entre casais homosexuais e porque o Barack Obama vai tomar posse. E pensei: o mundo está a mudar! Finalmente se aceitam e reconhecem as diferênças. Valorizar cada coisa sem as correntes do preconceito. Porque é possível apreciar com o coração - e o coração não tem limites. E ver com olhos de artista - para quem tudo é possívelmente belo.
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O gente da minha terra (piano) - Mariza

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