segunda-feira, 9 de agosto de 2010

CONVERSAS DE GAJAS




Ontem uma amiga veio jantar comigo. Ainda ando a rir! As conversas foram tão hilariantes que vou tentar reproduzi-las o mais fielmente possível com a ajuda de coisas que fui escrevinhando num bloco que tinha sobre a mesa.



I.
- Ontem quando o F me levou a casa, repentinamente, confessou-me que tem uma grande atracção por mim e espetou-me um beijo na boca. - Contou-me ela. - Fiquei lixada pá! Ele é meu amigo! Não estava à espera!
- O Verão tem destas coisas! - Disse eu. - Quem diria! E como é que reagiste?
Ela passou a língua pelos lábios, mordeu-os e respondeu: - Foi doce.
- Ah! Então gostaste!
- Eu não disse que gostei. Eu disse que foi doce.
- E o que queres dizer com isso?
- Quero dizer que não foi amargo.
- E?...
- ... E que eu gosto mais dos beijos agridoces, sabes, aqueles que não são doces nem amargos, são beijos despenteados, selvagens...



II.
A meio do jantar tocou o telefone dela.
- Vem comer uma piza comigo. - Pediu ele.
- Não posso. Já estou a jantar aqui com a minha amiga. - Respondeu ela.
A partir daí a inquietação foi evidente.
- Tenho de lutar contra esta paixão que me anda a arruinar a vida. - Disse-me ela. - Quando eu o quero comigo ele nunca está, quando me afasto vem a correr atrás de mim! Diz-me sinceramente, achas que ele sente alguma coisa por mim?
- Talvez sinta. Ou talvez não. Esquece esse fulano. Esquece tudo o que te faz infeliz. Deita tudo para trás das costas. Que martírio! És masoquista? - Disse-lhe.
- Não consigo porra! Só queria saber se ele gosta de mim. Ás vezes sinto que sim, ás vezes sinto que não! E isso mata-me! - Exclamou. - O que é que tu achas? Diz-me lá.
- Levas a vida a perguntar-me isso! O que eu acho é que quando se gosta demonstra-se que se gosta, diz-se que se gosta e age-se em conformidade. - Disse eu. - Porque o amor é institivo, não é racional. E tudo o que é institivo foge um pouco ao nosso controlo. O amor não se controla, ou é ou não é. Se ele gosta de ti quer estar contigo, precisa de estar contigo, procura-te. Ele procura-te? - Perguntei.
- Convidou-me para ir comer uma piza... com ele e com a filha. Quando está sózinho foge de mim. Filho da mãe! Tens razão! Ele não gosta de mim!
- Eu não disse isso. Acho que o melhor é tirares isso a limpo com ele. - Aconselhei. Aconselho sempre tudo aquilo que eu não faço!
Daí a pouco ela saiu toda empolgada e disse-me que ia a casa dele.
"Hoje tem de acontecer alguma coisa."- Disse-me ela com os olhos a brilhar - se calhar por causa do vinho.



III.
O meu telefone tocou: - Amiga, posso voltar para aí? - Pediu ela a chorar. - Estou na merda!
Voltamos para a mesa da cozinha.
- Quando cheguei à porta dele liguei-lhe a dizer que estava ali e o sacana pediu-me que me fosse embora porque tinha muito que fazer. Eu disse-lhe que não o conseguia entender que precisava que ele definisse a nossa relação e o sacana disse-me que estava sem tempo para conversar e desligou-me o telefone.
Ela estava desalentada.
Que desolação! Porque é que o ser humano tem esta necessidade de comprovar aquilo que é óbvio? Porque é que tem de xafurdar na merda para se poder erguer?
- O que é que os homens querem? Sabes-me dizer? - Perguntou-me.
Dei um trago no vinho. Retardei a resposta, como se resposta houvesse. Disse, então, por fim: - Não sei. Nunca soube o que é que os homens querem! E penso que eles também não o sabem!



IV.
- Tenho tudo de pantanas! A minha casa está de pantanas! A minha profissão está de pantanas! A minha conta bancária está de pantanas! O meu corpo está de pantanas! O meu coração está de pantanas!... - Disse ela. - Tudo por causa de um homem! Somos biliões de pessoas e cada um de nós é único. Como é que em bilões de pessoas vamos encontrar a nossa alma gémea? - Perguntou agarrada à garrafa do vinho.
- Não há almas gémeas. - Afirmei eu.
Ela olhou-me com o rosto constrangido e triste:
- Não há! Não me lixes! Por favor, a esta hora da noite não me tires o sonho! Toma lá a garrafa. Acho que não estás a beber o suficiente!



V.
- Filha da puta do vinho! - Exclamou ela a encher o copo mais uma vez.
- Acho que não devias beber mais, já bebeste bastante. - Disse-lhe eu.
- Cala-te! A bebida exalta-nos a alma, liberta-nos. E eu, hoje, preciso de me libertar. Tudo por causa de um individuo que está de mal com a vida! De um individo que é triste e rancoroso. Uma pessoa triste e rancorosa é um veneno, é tóxica. Tenho de concluir que eu estou tóxico-dependente. E nem sequer tomo drogas!



VI.
- Do que é que os homens têm medo? - Questionou ela. - O cabrão tem medo da vida! Tem medo de ser feliz! Tu acreditas nisto? Um dia diz que gosta muito de mim. Outro dia diz que não gosta de mim o suficiente! Um dia diz que me vai fazer muito feliz. Outro dia diz que não precisa de ninguém que é mais feliz sózinho! tu acreditas nisto? Do que é que os homens têm medo?
- Quando as pessoas se habituam à solidão, percebem que estando sós podem ser menos tristes. A solidão magoa-nos, mas as pessoas podem magoar-nos muito mais. Por isso, uma pessoa solitária, habituada à sua solidão tem muito mais dificuldade em arriscar, o medo da decepção pode se maior que o desejo de arriscar.- disse eu.
- Tens razão! A solidão nunca nos decepciona. Somos só nós e nós! Dói concluir isto! - Disse ela enquanto voltava a encher o copo de vinho. - Ele vive como um cão abandonado! O sacana saboreia o sofrimento, porque o sofrimento não o trai, esse é certo, é fiel, não tem incógnitas, já não o pode surpreender. Os verdadeiros solitários têm medo de viver, têm medo de dar um passo em falso. A solidão é saborosa porque é certa. Não nos lhes dá surpresas! Filhos da mãe!- Concluiu.
- Mas a solidão é um vazio. A solidão é uma dor miudinha que nos vai atrofiando. Eu adoro a solidão. Quando posso estar sozinha, completamente, sem horários, sem responsabilidades, sem compromissos, como hoje, sinto um prazer imenso. E nunca quero perder essa capacidade e essa possibilidade de estar comigo mesma ou de estar com uma amiga. Mas não quero a solidão como rotina. Quero partilhar. Para mim a solidão não é uma opção. - Disse eu.
- Mas tu dizes que não há almas gémeas! - Frisou ela.
- Entendo que não há almas gémeas, mas acredito que há almas. - Expliquei.
- Que queres dizer com isso?
- Que há almas que se cruzam, que se entendem e que se podem encontrar de vez enquando.



VII.
- Eu não te entendo! - Disse-me ela. - Vives em excesso de velocidade por dentro e por fora não queres passar da segunda? Se fosse eu, a esta hora, já ia estrada fora, em quinta.
- Eu sei que se fosses tu já tinhas metido a quinta. Mas tu és louca! Se calhar eu sou uma sacana que tem medo de arriscar, uma sacana que tem medo de viver! Mas um dia destes faço-me à estrada e meto a quinta. E seja o que deus quiser ou o que não quiser. Afinal só tenho um coração e só tenho uma vida. E agora conseguiste deprimir-me! Arre!
- Temos de ser filhos da puta para equilibrar as coisas! - Disse ela.
- Como assim? - Perguntei-lhe.
- Temos de morder a vida.

.

Já passava das três horas da matina quando ela se foi embora. De entremeio quase choramos e até partimos o estomago de tanto rir! Só as paixões é que nos permitem momentos únicos como estes!

3 comentários:

Anônimo disse...

Simplesmente brilhante!
Milhões de beijos.
Lin Xung

comboio turbulento disse...

ponto prévio: eu avisei dos efeitos secundários de olhar as estrelas. por isso há poucas pessoas que o façam:)
agora o comentário: já viste que tudo começou num beijo?!
1º o homem deve ter beijos fantásticos que são capazes de transformar, num ápice, amizade em grande paixão (acontece, é verdade, para o bem ou para o mal)
2º parece claro que ele pretendeu colorir a relação com o beijo e tem medo de avançar. que tal ela fazer-lhe o mesmo? na próxima oportunidade, um beijo agridoce. e esperar para ver o resultado.

beijinhos e bom after sun

espinhos e outras flores disse...

Combóio turbulento.

1. Eu levo a vida a olhar as estrelas. Tenho uma estrela. É unica. Mas, ás vezes fico cega de tanto a olhar. Até dói, e não é só a cervical, é, também, o coração.
2. o grande problema da minha amiga é que o beijo não foi dado pela pessoa por quem ela tem a grande paixão. Mas já a aconselhei a experimentar um beijo agridoce com o amigo. pode ser que resulte numa nova paixão.

Beijos.
Goza bem esse mar de sagres. Ah! Olha, há uma praias maravilhosas aí bem perto, quase inacessíveis, procuradas pelos surfistas, que são deslumbrantes, aproveita para explorar a natureza.