quarta-feira, 24 de março de 2010

A VIDA É INJUSTA


Ontem fui a uma loja de atendimento da Setgás. Como quase todas as lojas e salas de espera deste tipo de serviços, era fria e nua. Cinco ou seis pessoas a aguardarem a sua vez, duas secretárias lado a lado, voltadas para o público e duas funcionárias com a camisinha da empresa, bem lavadinha e passada e aquele ar de total aborrecimento e indiferença por um serviço quase automatizado.
Estava lá uma jovem senhora que se diferenciava de todos os presentes pela sua impecável apresentação, beleza e elegância. Alta e magra, longos cabelos loiros muito bem tratados, vestida como um modelo. Uma daquelas mulheres com quem as outras preferem não se cruzar. Sentou-se na cadeira em frente à funcionária e encetaram conversa. Em dado momento ouviu-se a funcionária:
- Minha senhora, não posso fazer, ou paga ou fica sem os serviços. Amanhã, até às doze horas vão ser cortados. Já lhe disse que só pode evitar o corte, se pagar. O que é que quer que eu lhe faça?
- Eu quero fazer um acordo de pagamento, porque não posso pagar até amanhã. - Disse a jovem senhora.
- Depois do corte pode ligar a pedir a reinstalação dos serviços. Paga a reinstalação e faz um acordo para pagar a factura atrasada. - Informou a funcionária.
- Mas eu não quero que me cortem os serviços. Eu preciso do gás, entende? E se não posso pagar a factura como é que vou poder pagar a reinstalação e a factura? - Insistiu a jovem senhora.
- Não posso fazer nada. - Volveu a funcionária no seu cone de gelado amargo.
- Eu pago parte do atrasado agora e o remanescente passa para a próxima factura. Faça-me isso por favor. - Propôs a jovem senhora levantando-se. Abriu o porta moedas e despejou todos o dinheiro em cima da secretária, de seguida começou a contá-lo até ao último cêntimo e tentou metê-lo nas mão da funcionária. - É tudo o que tenho. É todo o meu dinheiro. Fico sem um tostão, mas por favor aceite, pago o resto na próxima factura. - Quase suplicou debaixo dos olhares de todos os presentes.
A funcionária recusou depois de várias súplicas. Bem decerto que a funcionária tem procedimentos a cumprir. A jovem senhora meteu o dinheiro na carteira e de seguida atravessou elegantemente a sala, com a beleza do rosto a esconder a humilhação a que tivera de se expôr!
Malditas salas, tão frias e impessoais como o são as salas dos médicos, onde cada um tem de mostrar aos outros as suas dores, as suas máscaras e o seu mundo de aparências!
A funcionária atendeu-me logo de seguida. Perscrutei-lhe o rosto à procura de vestigios de consternação, mas o que vi foi uma máscara sem expressão alguma.
Não consigo deixar de pensar que qualquer de nós poderia ter ajudado aquela mulher desesperada, tão frágil debaixo da sua aparência de princesa. Mas, se calhar, qualquer um de nós estava a castigar aquela mulher por ter aparência de princesa. Não sei onde nos escondemos quando um ser humano precisa de nós! Teria sido impróprio alguém se oferecer para a ajudar? Parece ser mais fácil ajudar aqueles cuja trajédia não constactamos pessoalmente, fazer um depósito numa conta, comprar umas rifas ou contribuir com valores! O que me entristece é que nos limitamos a bservar, conservando a distância e o alheamento que nos parece natural. Será isto normal?

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Kingdom of rust - Doves

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