quarta-feira, 31 de março de 2010

COISAS DA TRETA


Encontramo-nos regularmente, duas a três vezes por semama. Tenho por ela uma afeição incomparável, do peito. Chama-se amizade e carinho. Há mais de um ano que me repete: "As coisas não estão bem. Quando eu resolver isto, resolvo tudo o resto". Deixou de fumar de um momento para o outro com ajudas de pastilhas e uma grande força de vontade. Andou a tomar Valdispert contra os meus conselhos, mas também acabou por largar. De vez em quando faz acupuntura para relaxar, o que tem os seus benefícios. Mas aquela pedra no sapato, que é a sua relação com o marido, é que não sabe como resolver. O marido é amoroso, pandego e um pai dedicado. Além disso é um bom amigo dela mesma.
- Acho que ele não respeita a minha liberdade. - Diz-me. - Não aceita a minha autonomia. Tem ciumes das minhas amizades, masculinas ou femininas. Quer saber o que faço, por onde ando e com quem. Não pode ser! Eu sou livre, responsável e independente. Por amor de Deus! Ele tem de me dar espaço. Se quero estar contigo a comer uns caracóis ao final da tarde e lhe peço que vá buscar os miudos, o que é que tem? Nada! Mas chego a casa e começa com piadinhas, meias palavras. Em suma: está de trombas! Na verdade o que ele quer mesmo saber é se estive contigo. Bolas! É demais! Parece que tenho uma corda atada ao pescoço! - Suspira. Cala-se por uns segundos. Depois recomeça a falar sem esperar que eu diga uma palavra. - E chateia-me, depois chega à cama e parece que não foi nada! Quer festa! Imagina! Claro que eu já estou de trombas também. Apetece-me tudo menos festa. Viro-lhe as costas. É que nem lhe digo uma palavra. Ele já sabe, é melhor que nem tente a investida ou vai haver sarilho.- Pára de gesticular, mas mantém aquele ar agitado do costume.
Eu digo-lhe: - Lá estás tu novamente em completa agitação! O que é que eu te digo sempre? Respira fundo. não podes andar sempre enervada, faz mal à saúde. Pensa no teu marido serenamente, naquele rapazito que teu deu a volta ao miolo, que te convenceu a casar, te deu filhos, que é teu amigo e é um brincalhão.
Ela respira fundo e sorri. - Tens razão! Ele é tão querido! É a melhor pessoa que conheço, só é pena não ser perfeito!
E eu digo-lhe: - Claro que não é perfeito, ninguém o é. É natural que ele tenha essas reacções, as pessoas são assim, temos de o admitir.
- Não. Não têm de ser assim, não senhor. - Diz-me ela a começar a enervar-se de novo.
- Pronto, não te enerves. Vai mas é para casa, leva uma velinha de cheiro e faz um chá de gengibre, toma um banho de espuma, abre uma garrafa de vinho e antes que os miudos cheguem, provoca-o e dá uma queca. - aconselho-a.
- Achas?
- Claro, não te atrases.
Ela levanta-se e diz-me: - Tu és sábia! Tens razão, quando mo aconselhas resulta sempre! Como é que tu sabes? Como é que consegues ser assim?!
E eu também lhe respondo sempre: - É fácil. Não sou casada, logo: não estou de trombas. Hehehe! E acho que deus dá nozes a quem não tem dentes.
Isto vai-se repetindo. Parece um filme do Woody Allen!
Um dia destes ligou-me espavorida: - Amiga, estou uma desgraça! Preciso que me atures uma horita. Tenho andado a perseguir o meu marido. Vai ter comigo ao café F que já te conto.
Lá fui eu ter com ela antes que tivesse um ataque cardíaco. E contou-me que o marido tem andado a fazer um trabalho com uma colega. Que se encontrou com ela vezes demais. Que aquilo já lhe estava a fazer impressão. Então ligou para o trabalho dele e disseram-lhe que não estava, que estava em serviço externo. Meteu-se no carro e foi lá. Entrou por ali adentro e exigiu que lhe dissessem onde é que ele se encontrava. Mas nada! Aguardou duas horas dentro do carro à porta dos serviços. Como ele não apareceu e eram horas de almoço, deduziu que estaria a almoçar com ela e foi percorrer os restaurantes habituais. Mas nada! E o pior: ele tinha o telemóvel desligado!
E eu, feita parva a ouvi-la, sem que me deixasse falar. Até que lá lhe consegui dizer: - Respira fundo...
- Já sei. Já sei! - Disse-me limpando a testa, puxando os cabelos para trás respirando fundo. - Sou uma idiota! Não estou a respeitar a liberdade dele! Não me digas nada! Vou comprar uma velinha de cheiro, fazer um chá de gengibre, tomar um banho de espuma, abrir uma garrafa de vinho e esperar por ele, para dar uma queca antes que os miudos cheguem. Obrigada por me aturares amiga.
E foi-se antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Também já não era necessário, pois não?

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Fury - Muse

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