quarta-feira, 13 de abril de 2011

CARTAS ANÓNIMAS

O céu do Alentejo
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Eu amava-a tanto! Ás vezes sentava-me na mesa da sala a trabalhar, enquanto ela andava pela casa nas suas tarefas. Sentava-me estratégicamente, escolhia sempre um lugar com um ângulo de visão que me permitisse observá-la. Nesses momentos perdia-me de mim, ficava a vê-la a andar de um lado para o outro, perdia-me de amor e carinho. Invadia-me um forte sentimento de gratidão por a ter na minha vida! Ia para casa mais cedo, com a mala do trabalho que levava por fazer, só para ter esse inexplicável prazer de desfrutar da sua presença, de a poder olhar. Penso que não poderia haver no mundo um homem mais grato do que eu.
Quando ela partiu com outro, com aquele que, afinal, amava, eu morri.
Não penses que te conto isto para que saibas que já atingi o topo do amor, que já não posso ir mais alto, que todo o amor agora é raso. Não, o amor é uma trepadeira, vai sempre subindo enquanto tiver onde se agarrar e o mais importante não é o quanto sobe, mas a força com que se agarra.
Não quero que penses que quando te abraço, ao contar-te estas coisas, o faço como se a abraçasse a ela. Quando te abraço, te aconchego o corpo contra o meu e te seguro nas mãos, estou invadido de ternura por ti. E sinto-me grato por te ter comigo, por te poder contar estas coisas e tu me ouvires com nítida ternura.
Esta noite não dormi. Fiquei acordado a ver-te dormir, a zelar pelo teu sono. De vez em quando aconchegava-te o lençól e parecias sorrir. Por vezes respiravas tão serenamente sobre o meu peito que a vida parecia suspensa num sonho imaginado. Depois inspiravas profundamente, içavas o peito a roçar-me o corpo e eu sentia a realidade a arrepiar-me.
Não quero ter segredos para ti. Sei que tudo é provisório e o futuro assusta-me. Receio pelas coisas que morrem, sinto medo da dor da perda e da desolação da ausência. Mas também sei que em cada novo amor que nasce, há sempre uma certeza de que valeu a pena ter morrido.

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