domingo, 17 de abril de 2011

DIGO-TE A DEUS OU CONTO-TE HISTÓRIAS


(Uma senhora idosa que passou por mim, teve a bondade de partilhar comigo o seu ramo benzido. Disse-me que tinha de o deixar secar e guardar até ao próximo Domingo de Ramos, para dar sorte. O cheiro do alecrim alegrou o meu domingo.)
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Quando acordei sentei-me no bordo da cama com os pés enlaçados a bambolearem, em frente ao espelho onde se via o meu corpo nu. As almofadas espalhadas pelo chão do espelho, os malmequeres sobre a mesinha e um retrato ao fundo junto aos estores corridos. Acordei contigo na cama. Sei muito bem que te tinha ali, posso jurar que ambos os lados do colchão estavam quentes e que ainda respiravas quando abri os olhos. Depois desapareceste! Fiquei muito tempo a ver se te encontrava no espelho, um reflexo filtrado, qualquer coisa que me indicasse que ainda estavas por partir. Tu sabes, embora não prestes atenção, como é duro quando partes, pois nunca sei quando voltas, e eu não sei estar sem ti. Espero-te em silêncio, em silêncio entras adentro pelo escuro do quarto e raptas-me o corpo de repente. O corpo. Há muito que me raptaste por dentro. A alma. E adormecidos conversamos pela noite afora. Mas, mal o dia desperta, tu desapareces e eu fico a dizer-te A Deus.
Depois saltei para o chão, abri a janela e tropecei com a manhã no espelho. A custo abri bem os olhos que se estenderam pelo quarto para ter a certeza de que ali não estavas. Veio-me à memória o teu sorriso quando, deitados no meio dos lençóis, puseste a mão na minha nuca e ternamente me puxaste pelos cabelos indo os meus lábios escorregar nos teus. Posso jurar que assim foi, mesmo que não te lembres, nem prestes atenção.
Fui fazer um café e espreitar a rua. Passavam pessoas que vinham da missa com ramos de oliveira e alecrim. É um vício isto de acordar, fazer café e espreitar a rua enquanto o café se faz. Tenho a certeza que ás vezes passas a noite comigo, embora nunca te veja partir nem atravessar a rua.

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