segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

NENHUMA PALAVRA E NENHUMA LEMBRANÇA

"No princípio era o Verbo
(e os açucares e os aminoácidos).
Depois foi o que se sabe.
Agora estou debruçado da varanda de um 3º andar
e todo o Passado vem exatamente desaguar
neste preciso tempo,
neste preciso lugar,
no meu preciso modo e no meu preciso estado!
.
Todavia, em vez de metafisica ou de biologia,
dá-me para a mais inespecífica forma de melancolia:
poesia nem por isso, lírica nem por isso,
provavelmente poesia.
Pois que faria eu com tanto Passado
senão passar-lhe ao lado,
deitando-lhe o enviesado olhar da ironia?
.
Por onde vens, Passado?
Pelo vivido ou pelo sonhado?
Que parte de ti me pertence,
a que se lembra ou a que se esquece?
Lá em baixo, na rua,
passa para sempre gente indefinidamente presente
entrando pela minha vida por uma porta de saída
que já dá para a memória.
Também eu (isto)
não tenho história senão a de uma ausência
entre
indiferença
e
indiferença..."
.
Excerto de Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança de: Manuel António Pina.

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