quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PEQUENAS COISAS


Sempre apreciei a vida e as pequenas coisas, os pequenos prazeres, as insignificâncias em que só nós reparamos ou só nós sentimos e vivemos. Como as lambidelas do cão quando entro em casa e festeja como se não me visse há um ano! A agradecer-me por eu existir! Que coisa tão espantosa!

Quando obtenho um sucesso ou me sinto bem, vou comprar fruta e legumes para o arrumador de carros da minha rua ou simplesmente lhe dou o pão da manhã ou umas moedas para o tabaco. Só para que ele me continue a cumprimentar todas as manhãs com o seu sorriso de velho.
Quando eu vim morar para este prédio, havia um velho no rés-do-chão que estava sempre a fumar à janela e falava comigo. Na primeira reunião do condomínio eu comentei que sentia falta do velho que fumava à janela, que falava sempre comigo, e não sabia nada dele. E a filha, comovida, disse-me que ele havia morrido fazia três meses! O velho morreu, no meu prédio e eu não soube de nada, apenas da ausência do seu sorriso! Era um pequeno detalhe nos meus dias! Que se perdeu!

Adoro a vida. As pequenas coisas da vida. A vida das pequenas coisas. Como a da osga que ainda há duas horas atrás se passeava no meu corredor. E eu, em pánico, histéricamente gritei, vem aqui, faz alguma coisa, quero dizer, tira esta coisa daqui. E ele, não sejas ridicula, isto não faz mal, só faz comichão, mas está bem, não me peças para a matar. Não, não a mates, disse eu, cuidado, não a mogoes, não lhe partas uma pernita, os bichos não têm médicos, nem tomam medicamentos. Mas não a apróximes de mim! Que horror! Não me faças subir para cima de uma cadeira! Pedi. E o meu filho meteu-a num saco plástico e lá fui eu largar a pequena, junto à minha figueira. Adoro a vida e as pequenas coisas com vida!

Adoro a mensagem que me acorda pela manhã com os seus dizeres deliciosamente ridiculos. Todas as mensagens intermédias, o telefonema do fim da tarde e a mensagem de boa-noite! Adoro o beijos, o perfume que fica nas minhãos depois dos afagos, o cheiro nos lençóis e na almofada, a falta que sinto do lado direito do colchão. Adoro a voz tranquila, as gargalhadas deliciosas, os piropos sussurrados, os olhares que me perseguem até a porta se fechar, o último aceno por detrás do vidro.
O que vês em mim? Perguntei-lhe eu. Alguém que gostaria de ter conhecido há mais tempo. Respondeu ele. A sério- repito- diz lá o que vês em mim. A lua, o mar, a poesia. Tudo o que não conseguia ver antes de ti. Disse-me ele. E eu enterneci-me!
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Ashes to Ashes - Warpaint

2 comentários:

comboio turbulento disse...

vou-te fazer uma declaração de estima: estás a escrever cada vez melhor.
este blogue devia chamar-se mesmo "Coisas de Gajas". Falas de uma forma que eu gosto de todos os desencontros, mais do que dos (re)encontros, da felicidade que recolhemos no pormenor das pequenas coisas(às vezes por não recolhermos o gozo suficiente nas grandes coisas).
achei que te devia dizer isto e ...go on:)

espinhos e outras flores disse...

Combóio Turbulento,

Obrigada pela declaração de estima. Fiquei sensibilizada. Aliás, adorei. Adoro tudo o que escreves. Achei que te deveria dizer isto e... vá-lá, escreve mais... go on:)

Beijo grande.